Estrangeirismos

Tempo de leitura: 3 minutos

 

Lembrei-me do deputado Aldo Rebelo, que queria banir por decreto os estrangeirismos do português: uma cruzada digna de um exército de Brancaleone, sobretudo porque, passado o Natal, as lojas e boutiques dos Shoppings Centers, vão aparecer repletas de cartazes anunciando SALE e 50%OFF.

O projeto do deputado caiu no esquecimento, mas ressurgem com veemência protestos anti-estrangeirismos sob o argumento de que eles conspurcam o nosso idioma, a última flor do Lácio, inculta e bela.

O que as pessoas devem ter em mente é que toda língua se transforma no tempo e no espaço. As línguas não são homogêneas, pelo contrário, são marcadas pela diversidade. O português, por exemplo, não é um só. Ele comporta um feixe de variedades.Uma das formas pelas quais as línguas se transformam é pelo contato com outras línguas. Importamos, na forma original, ou aportuguesada, palavras de outros idiomas. São os chamados estrangeirismos. Houve época em que era chic entre nós importar palavras do francês, considerada língua de cultura. Isso justifica a presença de palavras largamente usadas como menu, garçom, toalete, gafe, cachecol, champanha, avenida… Hoje, a maioria das palavras estrangeiras em nosso idioma provêm do inglês, uma espécie de língua universal. Mas como bem salientou a professora Ieda Maria Alves, do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, não importamos palavras estrangeiras, mas cultura estrangeira. Quando importamos dos ingleses o jogo chamado futebol, junto com ele veio toda a terminologia. Não importamos as palavras gol e pênalti, importamos o jogo. As palavras vieram juntas. Vejam esta notícia de um jornal paulista de 1922.

CORINTHIANS 2 a 1. 20 de fevereiro de 1922. Ontem, o bravo team do Corinthians Paulista derrotou pelo score de 2 a 1 o do Palestra Itália, no ground deste último. Goals do forward Neco (2) e do full-back Baggio. No ponto do bonds, após o match, um torcedor do Palestra, inconformado, apunhalou um corinthiano.

Com tempo, algumas foram deixadas de lado, substituídas ou aportuguesadas: team virou time, score virou placar, ground virou campo, forward virou atacante, full-back virou zagueiro, bonds, virou bonde (se é que ainda existem bondes),  match virou partida. Sem falar de outras palavras que não aparecem na notícia como offside, que virou impedimento, e corner, que virou escanteio.

A professora Ieda cita exemplos bastante atuais: black friday, delivery e halloween. O que nós importamos dos americanos foi a cultura de “promoções” que anunciam descontos enormes, o sistema de entregar coisas em domicílio, a comemoração do dia das bruxas. As palavras simplesmente acompanharam as importações.

Será que na língua inglesa há estrangeirismos de origem portuguesa? Pode até ser que haja um ou outro. Por que não há uma profusão de estrangeirismos de origem portuguesa no inglês? Simplesmente porque, ao contrário de nós, eles não importam nossa cultura.

Isso tudo quer dizer que não terá efeito algum qualquer lei ou decreto que proíba o uso de palavras estrangeiras entre nós enquanto formos importadores de cultura. Se você está preocupado em defender sua língua, defenda sua cultura. No campo da ciência e tecnologia, as coisas são mais difíceis. Estamos condenados a usar downlood, spam, mouse, link, online, software por causa da dependência tecnológica. Mas como vivemos cada vez mais num mundo globalizado, é impossível não ter contato com outras culturas, a menos que você queira dar uma de Robinson Crusoé e isolar-se numa ilha. Que tal ser um pouco antropofágico como Oswald de Andrade? Engula o que vem de fora, misture com o que é autenticamente nosso e devolva como algo novo. A Bossa Nova fez isso e ganhou os Estados Unidos.

Essa cruzada anti-estrangeirismos tem longa data. No século XIX, o latinista Castro Lopes propunha que substituíssemos a palavra estrangeira football por ludopédio. Houve também quem propusesse trocar o estrangeirismo de origem francesa chofer por cinesíforo. Football acabou ficando, com a adaptação ortográfica, futebol, e cinesíforo não vingou (ainda bem!). A palavra chofer acabou encontrando um excelente substituto em motorista.

Ciao! ou, se preferirem, Tchau!


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.