Copule-se: Os chapéus transeuntes

Tempo de leitura: 2 minutos

Quando se pensa num contista, logo nos vem à cabeça seus contos antológicos. A escola é a principal divulgadora desses contos. (Em tempo: nada contra a escola privilegiar os contos antológicos; é por aí mesmo).

Quando se pensa em Machado de Assis, imediatamente nos lembramos de A causa secreta; Missa do galo; A cartomante; O enfermeiro… Afinal, foram esses contos que lemos na escola.

Se pensamos em Clarice Lispector, com certeza lembraremos de O búfalo, Amor; Uma galinha; Os laços de família; Os desastres de Sofia… Pensar em Edgar Allan Poe é lembrar de Os crimes da rua Morgue; A carta furtada; O barril de amontillado; O gato preto; A queda da casa de Usher

Se lhe perguntarem sobre contos de Guimarães Rosa, você se lembrará de imediato de Sorôco, sua mãe, sua filha; A terceira margem do rio; Desenredo; Meu tio o Iauaretê…

Todos os contistas têm contos maravilhosos que não costumam entrar em antologias e, por isso, acabam não sendo muito lidos. No artigo, falo de um desses contos que, para mim, é uma obra-prima.

Trata-se de um conto de Guimarães Rosa que não costumo ver em seleções e/ou antologias. Gosto demais desse conto porque a situação narrada me lembra algo vivido. Falo do ótimo conto Os chapéus transeuntes, que está em Estas estórias.

O conto se inicia quando o narrador, um Dandrade Pereira Serapião, vai visitar o Vovô Barão, que está para falecer na metade de cá do casarão. Esse narrador é quem nos fará saber o porquê de Vovô Barão, “que enviuvara, bastante antes de fato virar viúvo“, morar numa metade do casarão com suas empregadas e um criado. Sobre Vovô Barão, o narrador nos diz ainda que ” de tão egocêntrico, ele se colecionava“. Os dois trechos citados são apenas uma amostra do humor finíssimo de Guimarães Rosa.

Vovô Barão casara-se com Vovó Olegária e as dessemelhanças do tempo fizeram com que se separassem, mas que continuassem a viver juntos no mesmo casarão que foi, literalmente, dividido ao meio por um muro.

De um lado, do muro vivia Vovô Barão; do outro, Vovó Olegária. Caso algum dos cônjuges tivesse algo importante a dizer ao outro, fazia isso dirigindo sua fala a um quadro pendurado na parede no qual estava retratado o interlocutor, o Vovô ou a Vovó.

Assim as poucas conversas que tiveram eram triangulares. Quando Vovô Barão morre, é aberto seu testamento. Nele, pedia para ser enterrado num cemitério diferente daquele em que estava sepultada Vovó Olegária e as pessoas de prestígio do local, pois nem na morte queria ficar com a mulher. Sua manifestação de última vontade é ser enterrado em cova rasa no cemitério onde estava jazia a canalha da cidade.

Um tio do narrador se insurge contra essa vontade do falecido e eis que o morto resolve voltar dizendo para os parentes: Copule-se.

Paro por aqui para não privá-los da leitura desta obra-prima.

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