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Em post anterior deste blogue, comentei, em rápidas palavras, algumas qualidades dos textos em geral: a clareza, a coerência e a coesão. Retornei ao assunto em outros posts, tratando da coesão e da coerência. Neste, trato exclusivamente da clareza.
Clareza
Como já afirmei, a clareza é uma qualidade dos textos em geral, por isso deve ser sempre buscada. Ser claro é se fazer entender. Quem escreve quer ser lido, então deve-se facilitar a vida do leitor, apresentando a ele um texto que seja compreensível, inteligível. A ausência de clareza dificulta a inteligibilidade do texto. A consequência é que, quando não se compreende o que se lê, abandona-se a leitura rapidamente.
Existem alguns procedimentos que, quando observados, ajudam a obter clareza e, portanto, devem ser observados na redação de textos. Comento alguns desses procedimentos.
Deve-se evitar períodos muito longos. Uma frase de grande extensão pode obrigar o leitor a lê-la mais de uma vez para compreender o sentido. É comum que o leitor, estando no meio da frase, tenha de voltar ao início para recuperar alguma informação que já não está mais armazenada em sua memória de trabalho. Por essa razão, deve-se preferir frases curtas, pois são mais fáceis de serem compreendidas. Não se deve ter receio de usar o ponto.
Deve-se preferir a ordem direta à inversa. Em português, os termos da frase costumam se apresentar na seguinte ordem: sujeito – verbo – complementos. Essa é a ordem natural dos termos da frase. Quando essa ordem é invertida, colocando-se, por exemplo, o complemento no início e o sujeito no final, obriga-se o leitor a um maior esforço cognitivo para entender a mensagem, porque ele vai tentar mentalmente colocar em ordem direta aquilo que se escreveu em ordem inversa. Então, deve-se adotar uma regra básica para a produção de textos claros: facilite a vida do leitor. Evidentemente, estou me referindo à produção de textos utilitários e não a textos artísticos.
Deve-se evitar ambiguidades. Ambiguidade é duplicidade de sentidos. Se uma frase é ambígua, o leitor certamente ficará em dúvida sobre o que se pretendeu dizer, podendo dar uma interpretação diferente pretendida pelo autor, prejudicando a clareza do texto.
Observe esta manchete veiculada pelo site UOL: Famílias de jovens mortos na Providência relatam ameaças a ministro. O leitor pode ficar em dúvida. São as famílias dos jovens mortos que recebem ameaças ou é o ministro que está sendo ameaçado?
A ambiguidade, muitas vezes, ocorre porque uma palavra ou expressão pode se referir a mais de um termo da frase.
Veja este outro exemplo: É fácil comprar arma roubada no Brasil. Há duas leituras possíveis, porque o termo no Brasil pode estar se referindo a comprar ou a roubada. Para desambiguizar a frase, seria necessário mudar a redação conforme sugestão que apresento a seguir.
No Brasil, é fácil comprar arma roubada.
É fácil comprar arma que foi roubada no Brasil.
Aqui também ressalvo que a ambiguidade deve ser evitada em textos utilitários. Em outros tipos de textos, como os humorísticos e poéticos, a ambiguidade costuma ser usada como recurso expressivo.
Finalmente, para obter clareza deve-se ter muita atenção com o vocabulário, evitando-se usar palavras desconhecidas ou que já caíram em desuso. Isso atenta contra a clareza, além de revelar afetação de quem escreve. Como exemplo, cito, parafraseando, uma passagem do Pantagruel, de Rabelais, em que o autor satiriza o uso de uma linguagem repleta de palavras de pouco uso, afetando, dessa forma, o sentido do texto.
No capítulo VI, narra-se um episódio em que Pantagruel, estando em Orleans para onde fora estudar, encontra estudantes vindos de Paris e um deles tem uma linguagem tão empolada que Pantagruel, tendo dificuldade de entender o que ele fala, pergunta a um outro estudante:
– O que quer dizer esse homem?
A que o estudante responde:
-“Senhor, sem dúvida este moço quer imitar a língua dos parisienses, mas só sabe maltratar o latim, e ele pensa que é um grande orador em francês, porque desdenha o uso comum de falar.”
A que assente, Pantagruel, dizendo:
-É verdade.
O engraçado é que o estudante que respondera a Pantagruel toma de novo a palavra e diz:
– “Ilustre Senhor, meu verbo nem de longe se assemelha ao que diz este desprezível mendace, nem é apto para escoriar a cutícula de nosso gálico vernáculo: mas vice-versamente, eu gnave opero e, por vela e remos, locupleto-me com a redundância latina.”
Pantagruel, não entendendo nada, diz que vai ensinar o estudante a falar e pergunta de onde o estudante é. A que esse responde: “a origem primeva de meus maiores e antepassados foi indígena das regiões lemusínicas, onde requiesce o corpore do agiotate São Martial”.
Esse capítulo termina com uma consideração que vale como conselho para se obter clareza nos textos: “… nos convém falar segundo a linguagem usada: e como dizia Otaviano Augusto, que é preciso evitar as palavras esquisitas como os patrões dos navios evitam os rochedos do mar“.
Em meu livro Da leitura literária à produção de textos, publicado pela Editora Contexto, comento alguns procedimentos presentes em textos da esfera literária que servem de modelo para a produção de textos em geral. O livro pode ser encontrado clicando aqui.
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Os comentários de Ernani Terra são sempre uteis para quem quer ficar ligado à evolução linguística, uma vez que, na vida, tudo é dinâmico. Assim , este não apenas gramático, pois ele sempre faz abordagens holísticas, dá-nos condições de continuarmos atualizados nesse contexto. Gratidão a ele.
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Muito obrigado, Celeste, por suas gentis e generosas palavras.
Ernani.