A mulher que vendeu o marido por R$1,99, um cordel de Janduhi Dantas

Tempo de leitura: 4 minutos

Há alguns anos, li uns cordéis de Janduhi Dantas numa revista. Fiquei encantado e resolvi mandar um e-mail para ele, pois queria comprar sua gramática em cordel. Gentil, Janduhi não só me respondeu em versos de cordel em que mostra toda sua maestria, como também me mandou vários cordéis, inclusive o A mulher que vendeu o marido por R$1,99.  Guardo os versos em que ele me respondeu até hoje e os reproduzo a seguir.

“O gramático Ernani Terra
de  quem sou grande tiete
me mandou – pasmem! – um e-mail
hoje às 8 e 17…
Ou tô sonhando ou já tem
trote pela Internet!”

Foi o que disse à esposa
e também aos filhos meus
a mulher, Ana, sorriu
e falou “Jura por Deus?!”
“Que legal”, disseram os filhos
a Bianca e o Mateus.

“E tem mais, esperem só
qu`inda não terminei não:
quer comprar um exemplar
da gramática do sertão
ao final inda chamou-me
colega de profissão!”

Portanto, caríssimo Ernani
(se de fato o Terra és!)
eu mandarei a gramática
e também alguns cordéis
mas se, cabra, isso é um trote
puxaste cobra pros pés!…

A partir daí, mantivemos regular contato por e-mail e  Janduhi Dantas me deu a honra de convidar-me para prefaciar seu livro “Lições de Gramática em Versos de Cordel, publicado pela Editora Vozes. Em vários livros que escrevi, tenho colocado textos de Janduhi e vocês não imaginam a receptividade que têm tido por parte de professores e de estudantes.

Janduhy Dantas
Lições de gramática em versos de cordel (Editora Vozes)

Nesses tempos de preconceito, homofobia e machismo exacerbados, a literatura é arma eficaz para combater a intolerância e, dentro da literatura, o cordel, dadas suas característica de literatura popular, exerce papel importantíssimo para desmascarar discursos preconceituosos.

Reproduzo a seguir algumas estrofes de A mulher que vendeu o marido por R$1,99 para ilustrar como o poeta dialoga com um discurso machista, estabelecendo com ele relação polêmica,

Hoje em dia, meus amigos
os direitos são iguais
tudo o que faz o marmanjo
hoje a mulher também faz
se o homem se abestalhar
a mulher bota pra trás!

Acabou-se aquele tempo
em que a mulher com presteza
se fazia para o homem
artigo de cama e mesa
a mulher se faz mais forte
mantendo a delicadeza.

Não é mais “mulher de Atenas”
nem “Amélia” de ninguém
eu mesmo sempre entendi
que a mulher direito tem
de sempre só ser tratada
por “meu amor” e “meu bem”.

Hoje o trabalho de casa
meio a meio é dividido
para ajudar a mulher
homem não faz alarido
quando a mulher lava a louça
quem enxuga é o marido!

Também na sociedade
é outra a situação
a mulher hoje já faz
tudo o que faz o machão
há mulher que até dirige
trem, trator e caminhão.

Esse fato todo mundo
já deu pra assimilar
a mulher hoje já pôde
seu espaço conquistar
quem não concorda com isso
é muito raro encontrar.

Entretanto, ainda existe
caso de exploração
o salário da mulher
é de chamar a atenção
bem menor que o do homem
fazendo a mesma função.

A mulher que vendeu o marido por R$1,99, de Janduhi Dantas

A relação polêmica, no entanto, não se manifesta apenas na refutação de um discurso sobre o qual o texto de Janduhi se constrói (o machismo). Nele, o cordelista traz também emergem outros dois discursos que se embatem ( o texto é arena de lutas). Um que sustenta o machismo, ao fazer referência à Amélia (trata-se de uma samba de Mário Lago e Ataulfo Alves); outro, que o combate, Mulheres de Atenas, de Chico Buarque e Augusto Boal).

Há uma frase latina que diz Ridendo castigat mores, ou seja, Pelo riso castigam-se os costumes. O humor, como deixa clara a frase latina, escancara os maus costumes. Criticando-os, exerce função moralizadora. Pelo riso, corrigem-se os maus hábitos. Rir é o melhor remédio é outro ditado popular que chama a atenção para o riso como forma de purgar o mal.

Ao dar ao cordel, o título de A mulher que vendeu o marido por R$1,99, Janduhi põe no devido lugar aqueles que sustentam o discurso machista, atribuindo-lhes o valor que têm, R$1,99, equiparando-os, dessa forma, a bugigangas vendidas em lojas de quinquilharia.

Este post é dedicado a algumas mulheres maravilhosas: Roberta Vaiano, Jessyca Pacheco, Letícia Moraes, Natália Guirado, Clarice Assalim, Mayra Pinto e Ana Luiza Couto. Não preciso dizer por quê, elas sabem.

9 Comentários


  1. E aí? Como não se apaixonar de novo, de novo e de novo?!… Que coisa mais linda!!!!
    Obrigada, Ernani.

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  2. Comecei a ler o post já toda feliz, pensando que ia comentar lembrando que você me apresentou ao trabalho do professor Janduhi, e termino a leitura com os olhos marejados. Obrigada, Ernani, de coração.

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  3. Ernani, que texto necessário e lindo. Obrigada por tudo e por mais isso. Um grande abraço!

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  4. Show. Um gentleman da POESIA. Grande amigo e excepcional poeta.

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  5. Mais uma vez, muito obrigado pela gentileza com que sempre age comigo, Professor Ernani. E muito obrigado (digo agora de público o que já lhe disse há algum tempo num e-mail) por me colocar dentro do livro – Curso Prático de Gramática – que por tantas vezes carreguei debaixo do braço! Por fim, quero lhe lembrar de uma frase de Tolstoi em que ele diz que “Não há grandeza onde não simplicidade, bondade e verdade”. Essa frase, queridíssimo Professor Ernani, me lembra você! Grande! És grande, Professor Ernani Terra! Um abraço deste seu amigo e admirador: Janduhi.

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