A pane, um conto de Durrenmatt

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A Editora Estação Liberdade acabou de lançar, num único volume, o romance A promessa e o conto A pane (224p.), ambos do escritor suíço de expressão alemã Friedrich Dürrenmatt, com tradução de Petê Rissatti e Marcelo Rondinelli. Não conhecia o romance e o conto conhecia apenas pela adaptação feita para o cinema por Ettore Scola. O filme, de 1972, se chama La più bella serata della mia vita (A mais bela noite de minha vida) e pode ser encontrado no YouTube, com legendas em espanhol. Sou fã de carteirinha de Scola, mas reconheço que o filme do diretor italiano está bem abaixo do conto. Mesmo assim vale a pena assistir.

Para quem não conhece o conto (ou não viu o filme), a história se resume no seguinte. O moderno e belo automóvel do caixeiro-viajante Alfredo Traps sofre uma pane na estrada e ele, não tendo como prosseguir a viagem de retorno à sua casa, se vê obrigado a passar a noite numa pequena cidade.

Procurando onde se hospedar, recebe convite para que passe a noite na casa de um juiz aposentado. Lá instalado, é convidado para participar do jantar com outros convidados, amigos do juiz, todos velhos e aposentados. Esses convidados, um promotor de justiça, um advogado e um ex-carrasco, praticam com juiz um jogo que consiste no julgamento de personagens históricos; mas, se aparecer um cidadão qualquer, ele é convidado a participar do jogo. Como Traps está lá hospedado é convidado a participar da “brincadeira”.

Um jantar que faz inveja à festa de Babette começa a ser servido pela empregada e, enquanto os convivas saboreiam os mais refinados pratos e os melhores vinhos, e todos já estão descontraídos, o caixeiro-viajante aceita participar da “brincadeira” achando que isso seria divertido, ademais porque não cometera “crime” algum.

O promotor, extremamente sagaz, tem de acusar alguém que não conhece e tampouco tem conhecimento de crime algum que o réu possa ter cometido. Não há, como nos processos normais, uma acusação formal, testemunhas e provas contra o caixeiro. O astuto promotor age então como um psicanalista. Conversando com o caixeiro, vai permitindo que este revele “crimes” que cometeu e dos quais sequer tem consciência.

Essa técnica psicanalítica permite que o caixeiro revele para si e para o tribunal “crimes” que cometeu que lhe possibilitaram ascender socialmente, melhorando sua posição na empresa em que trabalha e, em consequência, ganhar bastante dinheirol.

Entre os “crimes”cometidos pelo caixeiro está o de ele trair seu ex-chefe, valendo-se, para isso, de manter relações sexuais com a esposa de seu superior. Essa relação adulterina acaba por levar à morte o ex-chefe e Traps passa a ocupar seu lugar na empresa. A técnica psicanalítica usada pelo promotor faz com que Traps se descubra o responsável pela morte de seu chefe, que provocou a fim de assumir seu lugar. Enfim, Traps se descobre culpado de vários crimes, entre eles, o de ter matado o chefe para ocupar seu lugar.

Se o próprio réu reconhece sua culpa, não há outra saída a não ser condená-lo à morte, mas não é preciso que o carrasco aposentado execute seu trabalho.

PS.: para quem lê o conto e fica espantado com as descrições dos vinhos servidos no jantar, é bom saber que Dürrenmatt aplicava os direitos autorais de suas bem sucedidas obras na montagem de uma prodigiosa adega de vinhos. As passagens em que se narra os pratos, queijos e vinhos servidos durante o jantar são de ler de joelhos.

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