A partida, um conto de Osman Lins

Tempo de leitura: 3 minutos

No artigo de hoje, trago um dos contos que mais me emocionam. Perdi as contas de quantas vezes li “A partida”. A cada nova leitura ele me pega de jeito e uma tristeza imensa toma conta de mim. Há no conto um sentido que me toca profundamente. Esse sentido não interessa aqui, pois diz respeito só a mim e à minha experiência vivida. Espero que o post instigue os leitores a buscar o conto e descobrir nele o sentido oculto que diz lhes diz respeito.

“A partida” foi publicado pela primeira vez no livro Os gestos, de 1957. Este conto foi ainda incluído em Os cem melhores contos do século, obra organizada por Italo Moriconi, publicada pela Editora Objetiva.       

O conto narra em primeira pessoa um fato passado marcante na vida do narrador: o dia em que antecede a sua saída da casa em que vivia em companhia da avó.    

A avó era extremamente cuidadosa com o neto, “ela era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa”, mas essa afeição e o excesso de zelo o incomodava.

Enquanto ajudava a avó a arrumar a mala para o que chama a viagem, pensava que no dia seguinte estaria livre e que poderia usufruir de passeios, caras novas, domingos sem missa… Isso tudo o fascinava e torcia para que o tempo passasse rapidamente para a partida. Sua avó o olhava “com uma ternura que o incomodava”. Chega a sentir raiva e vai para cama, mas não consegue dormir e fica ouvindo a avó andando pela casa fazendo as arrumações como era seu hábito.

 Já passava da meia-noite, quando a avó entra no quarto e o narrador, ainda acordado, se pergunta o que ela viera fazer ali. Vendo-a chorando como se ele fosse um cadáver e quase sacudido por um sentimento de raiva, ele pensa consigo mesmo que está bem vivo e que o melhor seria que ela o deixasse em paz e que fosse chorar longe. A avó o beija e se recolhe. Ele adormece.         

De madrugada, ele acorda; quer voltar a dormir mas não consegue. Eram já três horas da manhã e lhe restavam poucas horas na casa, pois o trem partiria às cinco. Quer ir embora, romper as “cadeias de disciplina e de amor” que o prendiam àquela casa.

Levanta-se, lava-se, penteia-se, veste-se, tudo isso em silêncio para não despertar a avó que continuava dormindo. Reflete: “Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?”. Toca nela, ela quer se levantar, mas ele a detém, tomaria café na estação. Mas a avó se levante e ainda ralha com ele por não tê-la acordado antes.

Ele anda pela casa cabisbaixo procurando objetos imaginários, retardando a partida. A avó o seguia e ele sabia que ela queria beijá-lo. Ele estremece. “Como seria se na hora do adeus, ela chorasse?”.

 Enfim, ele beija a avó e bate-lhe de leve na cabeça, num gesto final, ameaça abraçá-la, pega a maleta e olha para mesa, que estava “cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só usava em nossos aniversários”.  

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