Acarretamento

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Neste post, trato de um assunto relativo à semântica: acarretamento. Começo por defini-lo.

Há acarretamento ou consequência quando se deduz sentença(s) de outra sentença. Trata-se de inferências que podem ser feitas exclusivamente com base no conhecimento que possuímos das relações semânticas de uma língua. Exemplifico.

Uma sentença como

Pedro está morto. (1)

acarreta a sentença

Pedro não está vivo. (2)

pois se (1) é verdadeira, (2) também tem de ser verdadeira.

Outro exemplo:

O doutor Madeira é cardiologista. (3)

acarreta a sentença

O doutor Madeira é médico. (4)

pois se (3) é verdadeira, (4) tem de ser verdadeira, já que todo cardiologista é necessariamente um médico.

Nesse caso, temos entre a palavra cardiologista e a palavra médico uma relação de hiponímia.

No acarretamento, uma sentença contém a outra, mas não necessariamente essa outra contém a primeira. Exemplifico.

O doutor Madeira é médico. (5)

não acarreta a sentença

O doutor Madeira é cardiologista. (6)

pois nem todo médico é cardiologista. O doutor Madeira poderia ser, por exemplo, um ortopedista.

Nos casos em que temos uma relação de acarretamento mútuo entre sentenças, ou seja, a sentença x acarreta a sentença y e sentença y acarreta a sentença x, temos paráfrase, como se pode observar nos exemplos a seguir:

A luz do quarto não está acesa. (7)

acarreta a sentença

A luz do quarto está apagada. (8)

Patrícia é tia de Ivan. (9)

acarreta a sentença

Ivan é sobrinho de Patrícia. (10)

Uma sentença como

Cássia não é casada. (11)

não acarreta a sentença

Cássia é solteira. (12)

uma vez que, se é verdade que Cássia não é casada, não é necessariamente verdade que ela seja solteira, já que pode ser viúva ou divorciada.

Perceber o acarretamento entre sentenças é importante para evitar que sejam apresentadas informações desnecessárias, como no caso das tautologias (ver nota ao final deste post).

Nas sentenças a seguir, temos informações desnecessárias porque a segunda parte das sentenças já está contida na primeira.

Ele morreu porque deixou de viver. (13)

O atleta foi o primeiro colocado porque chegou em primeiro lugar. (14)

O Brasil é pentacampeão mundial de futebol porque ganhou a Copa do Mundo cinco vezes. (15)

O acarretamento entre sentenças é objeto de estudo da lógica, desde Aristóteles. Uma das formas clássicas de acarretamento entre sentenças é o silogismo. Trata-se se uma forma de raciocínio dedutivo pelo qual, a partir de duas proposições apresentadas – as premissas –, infere-se necessariamente uma outra, a conclusão. Para fins de análise lógica, os argumentos são apresentados em uma forma padrão.

Todo homem é mortal. (premissa maior)

Sócrates é homem. (premissa menor)

Logo, Sócrates é mortal. (conclusão)

Os silogismos somente serão válidos se as premissas forem verdadeiras e apresentarem uma forma válida. Caso uma dessas condições não ocorra, teremos um silogismo não válido, ao qual se dá o nome de sofisma. O silogismo acima é válido (não se trata de um sofisma, portanto), uma vez que ambas as premissas são verdadeiras e ele apresenta uma forma válida.

São várias as formas que conferem validade a um silogismo. Apresento em seguida a mais comum. Para isso, retorno ao silogismo inicial.

Todo homem é mortal. (premissa maior – geral: todo homem)

Sócrates é homem. (premissa menor – particular: Sócrates)

 Logo, Sócrates é mortal. (conclusão)

 Se substituirmos os termos homem, mortal e Sócrates, respectivamente, pelas letras a, b e c, teremos:

Todo a é b. (premissa maior)

 c é a. (premissa menor)

 Logo, c é b. (conclusão)

 É considerado válido todo silogismo cuja premissa maior seja universal (todo, todos, nenhum) e apresentar a forma acima.

Nessa forma de silogismo válido, há um termo (a) que aparece em ambas as premissas, ao qual se dá o nome de termo médio. No silogismo válido, o termo médio nunca poderá aparecer na conclusão e a extensão de significado da segunda premissa tem de ser necessariamente menor que a da primeira (daí os adjetivos maior e menor para caracterizar o substantivo premissa).


Nota: Tautologia é um termo usado em retórica para designar algo que é redundante, que repete a mesma ideia. Trata-se de uma espécie de pleonasmo. Essa palavra provém do grego e contem dois radicais: tautos (mesmo) e logia (palavra), Tautologia é, pois, dizer a mesma coisa com outras palavras, repetir um conceito, como em O sal é salgado e Máquina fotográfica é uma máquina que serve para tirar fotografias. Certas tautologias cristalizaram-se e os falantes as usam como expressões próprias da língua, como exemplos temos surpresa inesperada, completamente vazio, encarar de frente, criação de novos empregos, pequeno detalhe, repetir outra vez. Em outros casos, os falantes não reconhecem a tautologia por não mais perceberem o sentido etimológico de certos radicais, como em bela caligrafia (o radical grego cali significa belo), jornal diário (a palavra jornal já traz em si a noção de dia).

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