Advogado, ad(e)vogado

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Causou grande repercussão a fala de uma jornalista que ironizou o fato de um ex-presidente ter dito em pronunciamento público adEvogado. A fala da jornalista deixa implícitas algumas outras falas, como o “o ex-presidente não sabe falar”, “o ex-presidente fala errado”, “quem fala adEvogado não tem competência para presidir o país”, entre outras. Não entrarei em discussões de caráter politico. Não é esse o escopo do blogue. O fato serviu-me apenas para fazer um comentário de caráter linguístico. Vamos a ele.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o caso se refere a um uso da língua falada e não da língua escrita. Escrever adEvogado é uma coisa, falar adEvogado é outra. Quem escreve adEvogado comete um desvio ortográfico, ou seja, convencionou-se que se deve grafar advogado e não adevogado ou adivogado.

Fala e escrita são sistemas distintos, por isso não é possível dizer que um é mais correto ou melhor que o outro. A escrita é posterior à fala, aprendemos primeiro a falar e, só posteriormente, aprendemos a escrever. Há pessoas que não têm o domínio da escrita, os analfabetos, e línguas que não possuem sistema de escrita, as línguas ágrafas. A escrita é uma tentativa imperfeita de reprodução dos sons da fala. Em termos mais comuns: não escrevemos como falamos. Exemplos são vários. Comento alguns.

Sao comuns falas como vou entregá, vou falá, vou telefoná, vou parti, mas devemos escrever vou entregar, vou falar, vou telefonar, vou partir.

Dizemos nacer, crecer, mas escrevemos nascer, crescer, pois não pronunciamos o s: o grupo sc forma um dígrafo, ou seja, duas letras representam um só fonema (som).

Outros exemplos: denti (dente), meninu (menino), atrais (atrás), feiz (fez), meis (mês), sau (sal) gou (gol), caxa (caixa), bestêra (besteira). Nos dois primeiros, ocorre um fato comum: o /e/ e o /o/ átonos finais são pronunciados com /i/ e /u/, respectivamente. Em atrais, feiz, meis, houve acréscimo do fonema semivocálico /j/. Em sau e gou, na fala temos uma semivogal /w/, representada na escrita pela consoante L. Em caxa e bestera, ocorreu a supressão do fonema semivocálico /j/.

Como se pode notar, essas pronúncias são frequentes, inclusive por pessoas escolarizadas. A pronúncia adEvogado é mais um exemplo, entre tantos, de que a grafia de uma palavra não corresponde necessariamente à sua pronúncia. Assim como a pronúncia adEvogado, deparamo-nos com as pronúncias pEneu (pneu), abIsoluto (absoluto), ritImo (ritmo), adapItar (adpItar), opItar (optar), pIsicologia (psicologia), apIneia (apneia).

Essas pronúncias, como se vê, têm algo em comum: desfaz-se um grupo consonantal pela inserção de uma vogal entre elas. Por que os falantes fazem isso? Simplesmente para facilitar a pronúncia. Faça um teste: pronuncie mnemônico e amnésia. O resultado será a intercalação do fonema vocálico /i/ entre o m e o n, desfazendo o encontro consonantal mn, o resultado certamente será mInemônico e amInésia. A inserção de um fonema vocálico para desfazer um grupo consonantal tem um nome específico: suarabácti.

Evidentemente, embora pronunciemos mInemônico, amInésia, pIneu, abIsoluto, adEvogado, pEneu, devemos grafar mnemônico, amnésia, pneu, absoluto, pneu e advogado. A escrita é uma coisa; a fala é outra.

Uma observação final: em algumas palavras não fiz a transcrição fonética, por isso aparece sau e gou e não /saw/ e /gow/. O mesmo ocorre em palavras como atrais, feiz e meis em que usei a letra i para representar a semivogal e não /j/.

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