Ainda a crase

Tempo de leitura: 5 minutos

Em post recente, comentei uma notícia do UOL que apresentava dois problemas no uso do acento grave (`). Outro dia, vi um post em uma rede social que afirmava que “querem abolir a crase”. Isso não tem sentido algum. Abolir a crase é algo equivalente a abolir as sílabas de que são formadas as palavras. Como ainda há muita gente que confunde crase com acento grave, volto ao assunto.

Em primeiro lugar, chamo a atenção para o fato de que a crase (do grego, Krasis = fusão, junção) é um fenômeno fonético que consiste na junção de duas vogais idênticas. Sons idênticos consecutivos na cadeia da fala tendem a se fundir. Um exemplo: a palavra dor, que proveio de door, que, por sua vez, proveio de dolorem. Assim: dolorem > door > dor. As duas vogais idênticas e consecutivas (o) de door se fundiram resultando na forma atual dor. Houve, portanto, a crase. A crase, por se tratar de alteração fonética, é do domínio da fala.

No português atual, ocorre apenas a crase do fonema vocálico a  com outro a que o sucede na cadeia da fala. Embora sejam duas vogais idênticas, pertencem a classes gramaticais diversas. Um a é preposição, exigida por um termo antecedente, o outro a pode ser um artigo (a menina), o a que inicia os pronomes demonstrativos aquele, aquela, aquilo, o a do pronome a qual, e ainda o pronome demonstrativo a (= aquela).

Quando esses dois aa sucessivos se encontram, eles se fundem e esse fenômeno recebe o nome de crase. Para indicar o fenômeno, na escrita usamos o acento grave (`). Então, guarde isso: o acento grave ( `) não é a crase. É apenas um sinal gráfico que indica a crase (a fusão das vogais idênticas). A pessoa poderia até afirmar que “querem abolir o acento grave”, mas nunca poderia ter dito, como disse, que “querem abolir a crase”. Veja outra coisa: mesmo pessoas que não sabem absolutamente nada sobre crase, quando falam fazem a crase. Dizem Vou à feira e não Vou a a feira, correto? Mais uma coisa: havendo ou não a crase, o a deve ser pronunciado da mesma forma. O a das frases a seguir, embora se distingam na escrita (um leva acento para indicar a crase, o outro não), são pronunciados da mesma maneira. Vou à Bahia, Vou a Pernambuco.

Há casos, no entanto, em que se costuma usar o acento grave (`) mesmo que não tenha ocorrido a crase, isto é, a fusão. É o que ocorre, por exemplo, em determinadas expressões adverbiais formadas com palavras femininas, como à vista, à vontade, à tarde, à noite. Em Comprei o relógio à vista, a expressão adverbial à vista vem assinalada por um acento grave, embora não haja crase. Note que há apenas um a (a preposição). Isso fica evidente; pois, se a expressão fosse masculina, teríamos Comprei o relógio ao prazo, o que não é o caso.

Há quem afirme que, nesses casos, usa-se o acento grave para evitar duplo sentido. Por exemplo, ao escrever chegou a noite (sem o acento), o interlocutor poderia entender que a noite chegou e não que (ele) chegou quando era noite. O fato é que, na maioria dos casos, o contexto automaticamente resolve a ambiguidade. E na língua falada, a ambiguidade não existiria?

Em expressões como vendi à vista, cheirava à gasolina não há crase (ocorre apenas a preposição a: vendi a prazo, cheirava a álcool) o acento grave está aí, mais por tradição do que para evitar ambiguidades.

Claro que a ambiguidade pode existir em alguns textos; mas, mesmo colocando o acento, o duplo sentido permaneceria na língua falada; pois, como afirmei, o acento grave é um sinal da língua escrita. Por outro lado, em muitos casos, a ambiguidade é intencional, como ocorre em textos poéticos, como nos versos a seguir do poeta piauiense Cineas Santos.

O amor bate à porta

e tudo é festa.

O amor bate a porta.

e nada resta.

Aviso importante: há alguns meses tenho tido problemas com a hospedagem deste blogue no UOL. Trata-se de problemas de ordem técnica que impedem que o site funcione normalmente. Como o UOL não disponibiliza uma atualização para que o blogue rode sem problemas no WordPress, é comum o site não carregar, ou ficar muito lento. Hoje, ficou fora do ar durante várias horas. Reclamei diversas vezes junto ao UOL sem que eles me dessem uma solução, o que me obrigou fazer queixa no Reclame Aqui. Nem com isso consegui fazer com que o site funcionasse sem problemas. Não havendo solução por parte do UOL, recorri ao Procon, que já notificou o UOL para resolver o problema. Estou agora aguardando a designação de audiência, que deve ocorrer até dezembro. Enquanto isso, o blogue poderá continuar a apresentar instabilidades. Em razão disso, peço desculpa a todos vocês pelos transtornos que possam ter tido no acesso. Com a audiência no Procon, o problema deverá ser definitivamente resolvido, pois qualquer que seja a solução apresentada, mudarei de provedor de acesso. Até a audiência, no entanto, estou preso ao UOL.

Obrigado a todos que acompanham o blogue e peço apenas uma pouco mais de paciência. Abraços.

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3 Comentários


  1. Professor Ernani Terra, muito obrigado por mais essa aula de Língua Portuguesa.

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    1. Não apoio a abolição da crase por ser difícil, apoio a abolição da crase por ser uma crase. O idioma inteiro tem três acentos só por causa de uma palavrinha, sério? Se a frase “eu agradeci à Ana” fosse “eu agradeci á Ana” seria melhor. Nosso idioma teria apenas dois acentos e não três, mas, não. O português gosta não só de ser complicado como gosta de mostrar que é complicado.

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