Angústia, um conto de Anton Tchékhov

Tempo de leitura: 4 minutos

Em diversas oportunidades manifestei minha admiração por Anton Tchékhov (1860 - 1904). Então espero que entendam eu comentar mais uma vez uma obra de sua autoria. Hoje trago um conto do autor russo que se deve ler sentado, com a espinha ereta, em posição de meditação, uma pequena obra-prima: Angústia. Depois de lê-lo, não seremos mais os mesmos. O conto faz parte do livro A dama e o cachorrinho e outros contos, traduzidos para o português diretamente do russo por Boris Schnaiderman e publicado pela Editora 34.  Como epígrafe ao conto, Tchekhov colocou um versículo de um canto da Igreja russa que já prepara o leitor para o que virá: "A quem confiar minha tristeza?".

Anton Pavlovitch Tchékhov
(1860 – 1904)

A ação se passa em São Petersburgo. Crepúsculo vespertino, uma neve úmida cai e cobre tudo de branco. O cocheiro Iona Potapov com seu cavalo está completamente coberto pelo branco da neve à espera de que algum passageiro possa aparecer para ganhar alguns copeques. Desde que saiu com seu cavalo de casa, Iona não conseguiu nenhum passageiro. Depois de muito tempo ali parados, finalmente aparece um militar que ordena que o leve a Víborgskaia. Pelo caminho, as pessoas reclamam com Iona e o xingam, dirigindo-lhe impropérios.

O militar, acomodado na boleia do trenó, dirige a palavra a Iona reclamando qualquer coisa e este lhe responde: "Pois é, Senhor, perdi meu filho esta semana". O passageiro  se mostra indiferente à dor do cocheiro e  apenas diz a Iona: "Anda, anda, assim não chegaremos nem amanhã. Mais depressa". Em seguida se cala para não ter de ouvir o cocheiro.

Chegando ao destino, Iona deixa o passageiro e fica ao relento com seu cavalo por algumas horas para ver se consegue novo passageiro. Aparecem três rapazes que lhe propõem fazer uma corrida por apenas 20 copeques pelos três passageiros. É um preço aviltante, mas estando necessitado, não resta outra alternativa a Iona a não ser aceitar a corrida. Os passageiros soltam palavrões e gritam com ele, ordenando que açoite o cavalo para que este ande mais rápido.

Aproveitando um dos momentos em que os passageiros interrompem os insultos, Iona tenta puxar conversa e diz a eles que nesta semana perdeu seu filho. Ao que um deles responde indiferente: "Todos vamos morrer" e ordena que Iona açoite o cavalo. Um outro passageiro pergunta se Iona era casado, a que o cocheiro responde que só tem uma mulher, a terra fria, o túmulo, e que a morte, em vez de vir buscá-lo, levou primeiro o filho. 

A viagem finalmente chega ao destino e, ao deixar os passageiros, mais uma vez Iona se sente só e seus olhos procuram na multidão alguém com que possa conversar, mas a multidão nem repara no cocheiro, nem na sua angústia, "uma angústia imensa que não conhece fronteiras". 

Chegando em casa ao fim desse dia de trabalho, Iona encontra o zelador e, para espantar um pouco a solidão, tenta conversar com ele, mas este simplesmente diz: "Passa!". Iona então se afasta e se entrega à sua angústia e vê que é inútil dirigir-se às pessoas.

O que ganhou naquele dia não dá sequer para dar aveia ao cavalo, que será obrigado a comer feno e isso aumenta ainda mais a angústia de Iona. Vê um jovem cocheiro carregando água, puxa conversa com ele dizendo que o filho morreu, mas suas palavras não produzem nenhum efeito sobre o jovem que segue adiante sem dar atenção a Iona, que apenas quer contar para alguém que o filho morreu, pois ainda não conseguiu falar direito com ninguém sobre isso e tem de suportar a tristeza sozinho. Sente que precisa contar para alguém como o filho ficou doente, como padeceu e como morreu. 

Não consegue ficar sozinho com seus pensamentos e sua tristeza e pensa que o melhor a fazer é ir para a cocheira ver o cavalo e dar feno a ele. Lá chegando, começa conversar com o animal: "Está mastigando? Se não ganhamos para aveia, vamos comer feno... Sim... Já estou velho para trabalhar de cocheiro... O filho é que devia trabalhar, não eu... Era um cocheiro de verdade. Só faltou viver mais...". 

O cavalinho vai mastigando ouvindo a história e sopra na mão de Iona, que se anima, e conta toda a história ao cavalo.

A quem confiar nossa tristeza?


5 Comentários


  1. Muito boa indicação. Tocante. Uma dor só se cura se, compartilhada… obrigado

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    1. Gilberto, Tchékhov era um médico apaixonado pela Medicina. Dizia que se casara com a medicina e que a literatura era sua amante. Grande parte dos contos que escreveu tiveram por embrião conversar que ele teve com seus pacientes. O tocante no conto Angústia é que o narrador sempre usa a primeira do plural quando fala de Iona. Há um identidade absoluta entre Iona e o cavalo: nós pegamos o passageiro, voltamos para casa…
      Nunca eu, sempre nós. Acho isso uma das coisas mais tocantes do conto. Tchékhov é mestre no gênero.

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  2. Um dos contos mais marcantes que já li. O cocheiro e sua dor, o egoísmo dos passageiros: tudo é grandioso nesse texto. Encontrar no cavalinho o ouvido que ele tanto necessitava durante as suas viagens é de tirar o fôlego.

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