Contos de Isaac Bashevis Singer

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Isaac Bashevis Singer (1904 – 1991) é um escritor polonês, filho e neto de rabinos, conhecido sobretudo pelos seus contos, gênero em que é mestre. Em 1978, foi agraciado com o prêmio Nobel de Literatura. Sua produção literária foi escrita em iídiche e traduzida para diversas línguas. A Companhia das Letras publicou um volume que reúne 47 contos do autor polonês, traduzidos para o português por José Rubens Singer, com prefácio de Moacyr Scliar. Algumas de suas obras foram adaptadas para o cinema. É o caso de Inimigos, uma história de amor (1989), dirigido por Paul Mazursky, e Yentl (1973), dirigido e estrelado por Barbra Streisand. Isaac Bashevis Singer deve ser colocado junto com Tchekhov e Maupassant como mestre do conto literário moderno.

Todos os contos do volume publicado pela Companhia das Letras são muito bons e podem ser agrupados em função do espaço em que se desenrolam os acontecimentos narrados. A maioria tem por espaço os shtetl, pequenas cidades da Polônia com população judaica, e também bairros judaicos de cidades cristãs polonesas. Os contos dessa vertente estão muito ligados às tradições hassídicas. Outros têm por espaço os Estados Unidos, para onde o autor polonês se mudou na década de 1930, fugindo dos horrores da guerra que se aproximava e da perseguição aos judeus. Muitos contos que têm por espaço a América apresentam forte caráter autobiográfico. Isso fica patente quando se lê Amor e exílio, livro de memórias do autor, publicado no Brasil pela L&PM, com tradução de Lya Luft.

Os contos que têm por espaço a Polônia são um excelente retrato dos costumes, das tradições e da vida de judeus hassídicos nos bairros de Varsóvia e de pequenas cidades polonesas. Em muitos deles, o realismo fantástico emerge, com a presença de várias entidades sobrenaturais e demoníacas como Asmodeus, Shabriri, Dybbuk, Lilith. Paralelamente, observa-se uma grande influência de alguns filósofos em seus contos, especialmente de Spinoza. É visível também a influência de Maimônides, de Kant e da Cabala.

Um dos melhores contos de Bashevis Singer presentes na edição da Companha das Letras é O Spinoza da rua do Mercado. O Spinoza do título é o doutor Naum Fischelson, um velho que estudou filosofia em Zurique e que mora sozinho num quatro no sótão de uma casa na rua do Mercado. Havia 30 anos que o doutor Fischelson passava os dias estudando a Ética de Spinoza a fim de escrever um comentário sobre ela. O doutor Fischelson não apenas estudava a obra de Spinoza mas ainda pautava sua vida por ela. Considerava, como diz Spinoza na 4a. parte da Ética, que “um homem livre não pensa em nada mais que na morte e sua sabedoria é uma manifestação sobre a vida”.

O doutor Fischelson, por suas ideias, tinha perdido o posto que ocupava na biblioteca e vivia agora de uma pequena ajuda financeira que a comunidade de Berlim lhe enviava pelo correio. Num determinado momento, essa ajuda deixa de chegar às mãos do doutor Fischelson, que já está velho e doente.

Sozinho em seu quarto, quando não estava lendo a Ética, ficava observando os astros pela janela seu aposento com o auxílio de um telescópio. Ao contemplar o céu, o doutor Fischelson “tomava consciência daquela extensão infinita que é, segundo Spinoza, um dos atributos de Deus”.

Um dia, cansado de observar o céu, o doutor Fischelson olha para baixo e vê a rua do Mercado agitada, cheia de gente comum, vendedores, ladrões, prostitutas, jogadores, receptadores, todos movidos pela emoção. Considera que esse comportamento da turba é a antítese da razão, pois, como Spinoza, avaliava que a emoção nunca era boa.

Certo dia, Dobbe, uma vendedora da rua do Mercado, analfabeta, solteirona, de voz rouca de homem e que não dava sorte com homens, procura o Spinoza da rua do Mercado para que ele lhe leia uma carta que um primo enviara da América para ela. Bate à porta e, como ninguém atendia, resolve entrar e encontra o doutor Fischelson deitado, completamente vestido e com aspecto horrível. Dá um grito, imaginando que o doutor estivesse morto. Resolve fazer uma boa ação e passa a cuidar do doente, que vai melhorando gradativamente e o relacionamento entre ambos vai se estreitando.

Não vou contar o que segue a partir do encontro de Dobbe com doutor Fischelson. Garanto que vale a pena ler o conto. O final é surpreendente.

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