Enjambement

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Creio que nos dias de hoje versificação não seja mais conteúdo das aulas de português (se for, me corrijam, por favor).

Quando eu dava aula para Ensino Fundamental, passava para os estudantes algumas noções básicas sobre esse assunto, que era conteúdo do livro didático adotado.

Nessas aulas, tinha que explicar o que era enjambement (ou encadeamento, ou ainda transbordamento). Um negócio mais ou menos assim: uma parte do sintagma fica no fim verso e outra parte fica no verso seguinte.

Numa explicação mais técnica: enjambement é uma palavra francesa que usamos para designar um recurso poético que consiste no prolongamento de um verso no verso seguinte. Com o enjambement, não ocorre pausa no final do verso, ocorrendo continuidade de sintática e semântica

Glauco Mattoso, em seu O sexo do verso: machismo e feminismo na regra da poesia, apresenta alguns exemplos de enjambement. Destaco dois.

Teu pé… Será início ou é
Fim? É as duas coisas teu pé. (Manuel Bandeira, Madrigal do pé para a mão)

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,                                                    e ao vê-los amorosos e transidos em torno, o sagrado terror converto em jubilação. (Carlos Drummond de Andrade, Campo de flores)

A ideia de escrever este post me ocorreu após encontrar um enjambement genial na tradução de Mário da Gama Kury, de Édipo Rei, de Sófocles. Este enjambement merece ser comentado.

Está na passagem em que o mensageiro, vindo de Corinto, chega a Tebas para anunciar a morte de Pôlibo e pergunta ao Corifeu onde é o palácio de Édipo. Segue a resposta do Corifeu:

“Vês o palácio dele; o rei está lá dentro;

à tua frente está sua mulher e mãe

dos filhos dele. Eis a resposta, forasteiro.”

O final do segundo verso emenda com o início do terceiro, havendo um prolongamento (enjambement) com a consequente continuidade de sentido.

Ao quebrar o sintagma ‘mãe dos filhos’, deixando ‘mãe’ no verso de cima e ‘dos filhos’ no de baixo, cria-se um efeito de sentido decorrente da uma ambiguidade condizente com as relações de Édipo e Jocasta.

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