Eufemismo

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Os jornais noticiaram que o governo russo proibiu que a imprensa usasse a palavra guerra em referência ao ataque da Rússia à Ucrânia. Segundo autoridades russas, não se trata de uma guerra, mas de uma “operação militar especial”.

O dicionário Houaiss define guerra como “luta armada entre nações, ou entre partidos de uma mesma nacionalidade ou de etnias diferentes, com o fim de impor supremacia ou salvaguardar interesses materiais ou ideológicos”. Lembremos que os dicionários não definem o que o é guerra, apenas registram os sentidos que a palavra possui de acordo com os usos que se fazem dela.

Levando em conta o sentido que os dicionários atestam para a palavra guerra, pelas imagens e notícias que chegam até nós do conflito envolvendo Rússia e Ucrânia parece não restar a menor dúvida de que o que está ocorrendo agora na Ucrânia é uma guerra.

Então por que o governo russo proíbe que se use a palavra guerra e obriga que, no lugar dela, se use a expressão “operação militar especial”?

Esse é um recurso retórico antiquíssimo ( e não exclusivo dos russos, evidentemente) que consiste em substituir uma palavra ou expressão carregada de sentido desagradável por outra de sentido mais suave. Trata-se de uma figura de retórica conhecida pelo nome de eufemismo.

Os eufemismos são, portanto, uma forma de suavizar a carga desfavorável que certas palavras e expressões carregam. Os eufemismos são também usados para substituir tabuísmos, palavras ou expressões consideradas chulas ou ofensivas como os palavrões.

É típico de algumas regiões do país usar a interjeição orra! para exprimir espanto ou incredulidade. Orra! é uma forma eufemística de porra!, considerado um palavrão. Observe-se que no eufemismo atenua-se no enunciado (o dito) e intensifica-se na enunciação (o ato de dizer). Quem diz orra! (a forma atenuada) está dizendo porra!

Os eufemismos estão presentes nas diversas variedades do português, podendo ser observados não apenas na variedade popular como na interjeição orra! e em expressões como bateu as botas, em lugar de morreu, mas também na variedade culta. Dizer, por exemplo, que o político x está faltando com a verdade no lugar de dizer que o político x está mentindo ou que o deputado x está sendo acusado de desvio de dinheiro público em vez de dizer que o deputado x está sendo acusado de peculato (desvio de dinheiro público em benefício próprio) são exemplos de eufemismos que encontramos com frequência na imprensa.

Durante um período em que o estado de São Paulo sofreu com a falta de água, a companhia encarregada do fornecimento de água para o estado e boa parte da imprensa jamais diziam que havia falta d’água, preferiam dizer que se vivia uma “crise hídrica”. O presidente da companhia chegou a declarar aos jornais que a companhia estava atenta e trabalhando e que ‘administra a disponibilidade de água’.  O presidente da companhia valeu-se de um eufemismo, pois administrar a disponibilidade é uma forma retórica de suavizar o sentido desagradável contido na palavra racionamento.

Os eufemismos são usados também no mercado publicitário com estratégias persuasivas. Hoje em dia não se encontram mais carros usados para serem comprados. Só se encontram carros “seminovos”. O uso desse adjetivo tem valor eufemístico.

O adjetivo “usado” tem uma carga negativa, trazendo em si a ideia de coisa velha, desgastada pelo uso. Ao se empregar a palavra seminovo, ressalta-se que se trata de veículo quase novo. Assim, um veículo seminovo acaba parecendo ser mais novo que um usado, o que não é necessariamente verdadeiro. E, ao fim e ao cabo, um veículo seminovo não deixa de ser um veículo usado.

Os eufemismos estão também presentes na linguagem literária, como se pode observar neste trecho de Dom Casmurro de Machado de Assis: “Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos santos”.

No trecho a seguir, retirado do livro Laila e Majnun, uma clássica história de amor da literatura persa, cujo autor é Nizami, há também um eufemismo para abrandar a mesma ideia presente no trecho de Machado de Assis.

“Mas, mesmo tarde demais, decidiu revelar seu segredo pela primeira e última vez. Tomou a mão de sua mãe e disse: Querida mãe, minha luz está enfraquecendo, e logo a vela de meu ser se apagará. Antes que se faça a escuridão e que minha alma seja levada, eu tenho de dar voz ao que está no meu coração.”

Em ambos os trechos, os autores se valem de metáforas com valor eufemístico, na medida em que as expressões que usam no enunciado suavizam a ideia morte.


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