História do demoníaco Pacheco

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O conde polonês Jan Potocki (1761 – 1815) é o autor do livro Manuscrito encontrado em Saragoça, obra publicada em francês em 1805, considerada pioneira da literatura fantástica.  O livro ficou sumido por mais de um século por ser considerado escandaloso e só voltou a ser publicado em sua íntegra apenas em 1958. Manuscrito encontrado em Saragoça traz diversas histórias com componentes de terror e erotismo que se ligam umas às outras como nas histórias do Livro da mil e uma noites.

“História do demoníaco Pacheco” é um dos capítulos de Manuscrito encontrado em Saragoça. Não há uma versão completa do livro em português. Uma que está à venda, publicada pela editora Devir, não é completa.

O resumo de “História do demoníaco Pacheco” que apresento a seguir foi feito com base no texto que está publicado em Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino, numa tradução para o português de Rosa Freire D’Aguiar, publicado pela Companhia da Letras. Antes, porém, de apresentar um resumo do que narra a “História do demoníaco Pacheco”, me permito dizer algumas breves palavras sobre o conto fantástico, sem pretensão de aprofundar ou esgotar o assunto.

Um conto fantástico tem como característica básica o fato de narrar um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis que regem o mundo como o conhecemos. Ele nos apresenta pessoas como nós, num mundo como o nosso, mas diante de algo que é inexplicável. Ao leitor (ou à personagem) cabe tomar uma decisão: ou se trata apenas de uma ilusão dos sentidos, ou o acontecimento estranho ocorreu realmente.

Se o leitor (ou a personagem) considerar que se trata de uma ilusão dos sentidos, o mundo continua sendo exatamente como é. Se entender que o acontecimento estranho realmente ocorreu, então a realidade é regida por leis que não conhecemos. A narrativa fantástica se desenvolve nessa incerteza, daquilo que é real ou fruto da imaginação. A hesitação do leitor entre o que é natural ou sobrenatural é a primeira característica da literatura fantástica. Sua marca é ambiguidade. A distinção entre conto fantástico e conto maravilhoso (contos de fada, por exemplo) é que no segundo há aceitação do inverossímil, pois nenhuma explicação dos fenômeno é possível; no primeiro, o leitor é colocado em contato com a perplexidade diante de algo que é inacreditável. Vamos ao conto.

Uma história que se encaixa em outra e ambas se relacionam. Na primeira, um narrador em 1ª. pessoa conta que acordou e se vê embaixo da forca dos cadáveres dos irmãos De Zoto, que estão deitados ao lado dele. Abandona o local e chega a uma capela onde é recepcionado por um ermitão. Na capela, o ermitão abriga um homem muito magro com um dos olhos vazados do qual escorria sangue e com a língua pendurada para fora da boca. O ermitão diz que se trata de um louco que ele exorciza e que é protagonista de uma terrível história e ordena que o louco, que se chama Pacheco, conte a sua história.

Há a mudança de narrador e agora é Pacheco que passa a narrar sua própria história, que se resume no seguinte.

A mãe de Pacheco morre e o pai se apaixona e se casa com uma jovem viúva, chamada Camille de Tormes, que leva a irmã Inésille para morar com o casal.

Camille começa a assediar o genro, mas esse resiste, ademais porque estava apaixonado por Inésille e pede ao pai que possa se casar com ela, mas o pai proíbe o casamento do filho com a cunhada. Camille, sabendo da proibição imposta pelo marido, procura Pacheco e lhe faz uma proposta: tornar-se amante de Inésille e dela ao mesmo tempo. Pacheco recusa.

O pai faz uma viagem a Madri e leva consigo a esposa e a cunhada e quatro meses depois escreve ao filho pedindo que vá a seu encontro em Venta Quemada. Lá chegando, não encontrando o pai na hospedaria onde ocorreria o encontro, resolve ficar ali hospedado. Quando vai dormir, o hospedeiro lhe recomenda não dormir ali porque ela estava possuída por assombrações. Pacheco opta por dormir lá mesmo, embora todos abandonem o local para dormir numa fazendola próxima.

Quando o relógio dá meia-noite, Camille entra no quarto de Pacheco e diz a ele que ela estava com a irmã na hospedaria e que o pai tinha ido dormir na fazendola. Como todos foram embora, ali estão hospedadas apenas três pessoas, Pacheco, Camille e Inésille.

Camille faz uma proposta a Pacheco. Como ela ama Pacheco e este ama Inésille, pede a Pacheco que vá para a cama com ela e a irmã para terem uma noite de prazeres infernais. Pacheco aceita e vai para a cama com ambas as irmãs. Depois de uma noite de amor, adormece. Quando acorda, se vê ao pé da forca dos irmão De Zoto, deitado entre os seus cadáveres.

Nesse instante o religioso interrompe a história de Pacheco e pergunta ao primeiro narrador se ele já tinha ouvido alguma história semelhante.  O narrador pede que, para responder, Pacheco continue sua história, narrando o que segue.

Pacheco sai do local dos enforcados e chega a uma estalagem, mas não consegue dormir assustado que estava pelos eventos da noite anterior. Camille e Inéssile então aparecem e pedem para se enfiarem na cama para dormir com ele. Pacheco enche-se de coragem e grita: “Satanás, retire-se”. De repente, vê chamas na lareira e não mais avista as irmãs, mas os dois irmão De Zoto enforcados na chaminé.

Vendo que estava sendo perseguido pelos dois irmãos, sai correndo assustado. Esses, porém, o alcançam e o agarram. Um deles arranca-lhe um olho e no buraco que fica enfia a língua e lhe lambe o cérebro. O outro irmão impõe terríveis torturas a Pacheco, que acaba perdendo os sentidos.

No dia seguinte, alguns pastores o encontram e o levam ao ermitão, que toma a palavra, e diz ao narrador que ele está vendo o poder que o demônio tem e que deverá rezar.

O primeiro narrador vai dormir e o relato de Pacheco lhe vem à cabeça. Percebe que a história contada por Pacheco tem muitas semelhanças com sua própria história. Ouve bater meia-noite. Alguém arranha a porta do quarto. Imagina ser o ermitão. Pergunta quem é e ouve como resposta: “Estamos com frio, abra, são suas mulherzinhas”. E ele responde:  “Sei, sei, malditos enforcados, voltem para seu o seu patíbulo e me deixem dormir”.

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