Hoje acordei com uma acídia danada

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No Museu do Prado, em Madri, pode-se admirar a obra Os sete pecados capitais, do artista holandês Hieronymus Bosch (1450 – 1516), uma pintura em óleo sobre madeira, com estrutura circular, formando um tampo de mesa. No centro está Jesus e a inscrição em latim Cave Cave Deus Videt (Cuidado, cuidado, Deus está vendo). Em torno desse centro estão representados os sete pecados com seus nomes escritos também em latim: superbia, avaritia, luxuria, invidia, gula, ira, acidia.

Os sete pecados capitais, Hieronymus Bosch, Museu do Prado

A ACÍDIA

Atenho-me à palavra latina acidia. Em português, há a forma acídia, que tem a forma variante acédia. Trata-se de uma palavra grega, akedeia, a, que chegou até nós pelo latim, acidia, ae. Prende-se à raiz grega aced-. A palavra inicialmente significava negligência, indiferença. Tomada pela igreja em latim, passa a significar indolência, negligência, desleixo, abatimento, tristeza. Eclesiasticamente, designa ‘abulia espiritual que a alma manifesta para o exercício das virtudes’. Tem também o sentido de enfraquecimento da vontade. A acídia, um dos sete pecados capitais, enquadra-se na categoria dos pecados relativos à corrupção da mente. A tradução que se deu a acídia, como pecado capital, em português foi preguiça, palavra de origem latina pigritia,ae, cujo sentido era o de indolência. Na Idade Média, a preguiça era chamada de o demônio do meio dia. Mas vejam: a abrangência da palavra acídia é mais ampla que a de preguiça, pois pode ser usada para designar melancolia. Na medicina, é usada para designar desordem mental provocada por apatia ou melancolia profunda. Na teologia, é usada com sentido de abulia espiritual que impede o exercício das virtudes.

Acídia, detalhe de Os sete pecados capitais, Hieronymus Bosch, Museu do Prado.

ABULIA e CICLOMANIA

Aí eu paro em abulia, palavra de origem grega (aboulia,as) que significa perda da vontade, incapacidade de tomar decisões voluntárias, de iniciar o que quer que seja. Mas se com esse frio, acordo e resolvo ficar um pouco mais na cama, descubro que isso não é preguiça, mas simplesmente clinomania, palavra formada a partir de dois elementos gregos, kline, que significa leito, e mania. Esse kline é o mesmo que aparece em clínica. Ninguém vai querer me convencer de que os que ficam num leito de uma clínica são preguiçosos. Se em Bosch a acídia é nome de um pecado; em português, conseguiu a alforria.

PREGUIÇA

O pecado atende pelo nome de preguiça, mas não é a preguiça de trabalhar, mas a de buscar comunicação com Deus. Então eu, mesmo trabalhando feito um mouro, incido no pecado da preguiça. Santo Tomás, na Suma Teológica, distingue a vida ativa e a contemplativa. Ambas são boas, mas podem degenerar em comportamento pecaminoso que brota do amor insuficiente, que leva à ira; ou do amor em excesso que leva à preguiça. Não sou teólogo nem cristão, prefiro amor em excesso do que insuficiente. Sou, antes de tudo, brasileiro macunaímico, por isso posso dizer sem medo de Caronte me dar carona em seu barco para cruzar o Aqueronte: Ai, que preguiça!!! Ou será que, por medida de segurança, não seria melhor dizer: Aí, que acídia!?

6 Comentários


  1. Ai Ernani, esse é o meu pecado preferido… Só não tenho preguiça de ler seus textos soberbos (no melhor dos sentidos)!!! <3

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