Kótin, o provedor, e Platonida

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No artigo de hoje, falo sobre uma dos maiores narradores de histórias que se conhece, o russo Nikolai Leskov (1831 – 1895), autor de romances, novelas e contos. Walter Benjamin, num ensaio que se tornou célebre, “O narrador”, afirma que Leskov é um dos maiores narradores da literatura moderna. O conto sobre o qual vou dizer algumas palavras chama-se “Kótin, o provedor, e Platonida”, que faz parte do livro A fraude e outras histórias, publicado pela Editora 34, com tradução de Denise Sales. Embora escrito no século XIX, o conto trata de temas atuais como identidade de gênero e assédio sexual.

A história resume-se no seguinte: A jovem órfã de dezoito anos Aksínia Matviêivna é expulsa da casa de seu tio Markel Semionovitch Déiev e procura o sacristão Iona Pizónski, que lhe dá abrigo. Aksínia tivera com ele um caso amoroso. Cinco meses depois de se instalar na casa de Iona, Aksínia tem um filho a quem dá o nome de Konstantin. Iona morre quando o menino tinha um ano e ela, vendo-se sozinha no mundo com um filho pequeno procura abrigo na casa que a expulsara. Deiév não lhe dá abrigo e ainda lhe roga uma maldição. Aksínia vai para um convento feminino onde se interna com o filho. Para esconder o sexo da criança, resolve dar-lhe um nome de menina, Makrina.

O verdadeiro sexo da criança não é descoberto por ninguém. A própria criança se considerava menina. Quando faz doze anos, a mãe troca as roupas femininas de Konstantin / Katrina por uma bata e o envia ao seminário, onde o menino torna-se objeto de escárnio geral, sobretudo porque ainda fazia a concordância no feminino: “estou chateada, cheguei atrasada, acordei cansada” e passa a ser chamado de Kótin, por assim escrever seu nome na lousa. Açoitado pelos professores e agredido pelos colegas, que lhe fraturam o nariz, vê sua carreira de estudante terminar e ter de ir trabalhar como ajudante de um artesão.

Anos depois, ao voltar para casa para encontrar a mãe, descobre que ela tinha morrido. Sem ninguém no mundo, vai procurar o tio, o velho Déiev, que o expulsa. Procura uma sobrinha de sua mãe, mas descobre que essa também, assim como seu marido, havia morrido, mas que tinha deixado no mundo duas meninas, Glacha, de uns cinco anos, e Nilotchka, com pouco mais e dois, que eram criadas por uma mendiga cega, Pustírikha, que, além de bater nas crianças, pretendia usá-las para pedir esmolas. Kótin pede para ficar com as crianças, mas Pustírikha nega e ainda o enxota. Quando a mendiga cega sai para esmolar, Kótin sequestra as crianças e as leva para criar.

Certo dia, deixa as crianças dormindo e, perambulando pela cidade, se vê na horta de Déiev, onde se esconde à espera de uma pessoa do sexo feminino. Esconde-se dos primos que aparecem na horta, mas quando surge uma mulher jovem e alta, Platonida Andrêievna, alegra-se. Ainda escondido, presencia uma conversa entre Platonida e seu cunhado Avenir Markélitch, filho de Déiev e irmão de seu marido Marko.

Na conversa, Platonida diz a Avenir que seu sogro, o velho Déiev, não vai deixar nada em testamento para ele e que o favorecido será o irmão mais velho, Marko. A conversa entre os cunhados revela ainda que, tempos atrás, Platonida beijara Avenir. A conversa se interrompe quando Platonida ouve o marido chamá-la. Avenir, ao correr para abandonar o local, dá de cara com Konstantin Pizónski (Kótin).

Marko sai com o pai para ir à tecelagem e Konstantin se aproxima de Platonida e, dirigindo-se a ela, declara seu parentesco e pede que o ajude a abrigar as crianças. Platonida pede a Avenir que este procure vovó Rokhovna em nome dela para que ajude Konstantin.

Konstantin vai até a anciã Rokhovna que aceita ajudá-lo dando abrigo às crianças e a ele. Avenir, a mando de Platonida, levava alimentos para Konstantin e as crianças. Instalado na casa da anciã, Konstantin começa a trabalhar fazendo serviços para moradores da cidade ganhando seu sustento e respeito. Quanto à educação das crianças, ele mesmo cuidava disso, já que preferia que a sociedade nada soubesse sobre a existência delas.

Passado algum tempo, Marko Déiev, o esposo de Platonida, morre sem deixar herdeiros. O velho Déiev assegurou a Platonita que ela não ficaria desamparada porque lhe deixaria em testamento parte igual à que caberia ao outro filho, Avenir.

Certa noite, ao recolher-se para dormir, Platonida escuta barulho de alguém junto à janela. Levanta-se da cama e surpreende-se ao notar a presença do sogro que se insinua a ela. A jovem reage imediatamente tentando expulsar o sogro ao gritos de “seu depravado!”. Este a agarra, rasga-lhe a camisola e começa a beijá-la. Platonida, desesperada, grita por Avenir e, desvencilhando do sogro, atinge-o com um machado. Na luta contra Platonida, o velho tinha sido imobilizado por Avenir.

Temendo ter matado o velho, a jovem sai correndo. O velho, no entanto, respirava, pois o golpe atingira-o de raspão. Depois desse episódio, Platonida desaparece para infelicidade todos.

Para se vingar do filho e da nora, Déiev acusa ambos de conluio para matá-lo. Avenir é preso e a investigação policial revelou que dois aguadeiros viram uma mulher, “mais provavelmente uma bruxa”, se atirar na água de camisola e ir para à casa de Konstantin, que foi preso e depois solto. Dele, não conseguiram saber nada que esclarecesse o caso de Avenir e Platonida. Souberam depois que esta estava escondida com ermitões e que seria a profetisa Ioil, que chorava fogo, estava cega e andava às apalpadelas.

Sobre Avenir, diziam que ele se casara com a filha de um general e que, certa vez, voltou à cidade e viu a profetisa Ioil, que o reconheceu pela voz, e perguntou-lhe se estava arrependido. Avenir respondeu que sim. Ioil disse-lhe então que isso era bom e que ele deveria alimentar com juízo o seu caminho em direção a um refúgio sereno.

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