Leitura e escrita na era digital

Tempo de leitura: 7 minutos

Começo o post com uns versos de Camões, poeta português, que viveu no século XVI.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.”

No século XX, uma canção de muito sucesso, composta por Lulu Santos e Nelson Motta, chamada Como uma onda, dizia em seus versos iniciais: “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia / Tudo muda…”.

Você pode estranhar que referências a textos antigos sejam usadas em um post que pretende tratar de leitura e escrita na era digital. A razão é simples. Os dois textos, separados por quatro séculos, apresentam uma ideia comum: tudo muda. Essa ideia de mudança contínua remonta ao filósofo grego Heráclito, que afirmava que tudo flui. As práticas de leitura e escrita, evidentemente, não fogem à regra.

Olhando leitura e escrita numa perspectiva histórica, observaremos mudanças de suporte dos textos. Das placas de argila às telas dos smartphones, passamos pelo papiro, pelo pergaminho, pelo papel… Os materiais usados para a escrita também mudaram com o tempo: cinzel, lápis, giz, pena de ganso, caneta tinteiro, caneta esferográfica, máquina de escrever, computador. 

Se a mudança dos suportes alterou o modo de leitura, as mudanças de instrumentos também alteraram formas de escrever. Basta ver, por exemplo, que a forma como hoje escrevemos no WhatsApp: textos curtos, com palavras abreviadas e acompanhados de figurinhas para exprimir os mais diversos sentimentos.

Novas tecnologias permitiram que os textos produzidos fossem acompanhados de animações, sons, efeitos especiais, como se pode observar nas apresentações feitas em PowerPoint. Nas aulas, alunos restringem as anotações escritas, optando por fotografar a lousa ou a tela da apresentação por meio de smartphones. Nas aulas online, printa-se a tela.

Em aulas e reuniões, é cada vez mais comum que o apresentador se valha de handouts, espécie folheto geralmente feito em processador de texto, distribuído aos ouvintes e usado para guiar a apresentação. Os ouvintes, por sua vez, se apoiam nos handouts para acompanhar as exposições.

Uma coisa é certa: as novas tecnologias não decretaram, como muitos previam, o fim das práticas de leitura e escrita, pelo contrário. Nunca se escreveu e nunca se leu tanto como nos dias atuais. O tempo todo, seja em casa ou no trabalho, ou até mesmo no ônibus que nos transporta, estamos diante de uma tela de computador, lendo mensagens, notícias, postagens, enviando e respondendo mensagens, publicando em redes sociais, fazendo comentários em um blogue etc. A internet possibilitou que gêneros que existiam antes dela se metamorfoseassem, adquirindo novas funções e passando a ser utilizados em larga escala.

Hoje, é comum que se faça a leitura silenciosa; a menos em casos em que lemos para um auditório. No entanto, essa prática de leitura é relativamente nova, se pensada em termos da história da leitura, uns cinco mil anos.

Se hoje a leitura de textos manuscritos e impressos pode ser feita sem maiores dificuldades é porque entre as palavras há espaços em branco e sinais de pontuação que orientam a leitura. Houve época em que, na escrita, as palavras eram emendadas umas às outras. Os sinais de pontuação só começaram a ser utilizados no século IV, uma invenção relativamente recente, se levarmos em conta a história da escrita. Sua função, inicialmente, era diferente da de hoje. O ponto, por exemplo, era usado para separar uma palavra da outra, pois, como afirmei, não havia o espaço em branco entre as palavras, o que surge apenas no século VII.

Separar as palavras por espaços em branco e usar sinais de pontuação pode ser considerada uma revolução tecnológica no sentido facilitar muito a vida dos leitores que passaram a despender menos esforço interpretativo durante a leitura.

Hoje, substituímos os recados escritos em papel por mensagens no WhatsApp; as cartas, por e-mails; o diário pessoal, pelo blogue; a aula só falada, por apresentações multimídia. Essa revolução tecnológica pode assustar em princípio porque ela é muito rápida. Não faz muito tempo, usavam-se transparências em retroprojetores para ilustrar uma exposição oral; informações eram guardadas em disquetes e CDs cuja capacidade de armazenamento era ridícula para os padrões atuais. O WhatsApp, lançado há apenas 11 anos, já possui 2 bilhões de usuários mensais no mundo. No Brasil, o número de usuários mensais já passa dos 120 milhões. Há alguns anos, o acesso à internet era feito exclusivamente por computadores; hoje as pessoas se conectam à rede por meio de smartphones, aparelhos que substituem os celulares com inúmeras vantagens, já que são telefones inteligentes, dotados de sistema operacional (IOS, Android), que faz deles verdadeiros computadores portáteis.

As mudanças nas práticas de leitura e escrita não acompanham o mesmo ritmo as transformações tecnológicas. Isso significa que continuamos a ler e a escrever praticamente da mesma forma que fazíamos antes da internet. Com todos os avanços tecnológicos, ainda é por meio de textos que nos comunicamos, portanto é preciso não se deixar iludir achando que, com as novas tecnologias, não precisamos mais nos preocupar com a forma como redigimos. As mudanças se fazem sentir mais nos suportes do que nos textos. Não é porque uma piada foi enviada por WhatsApp que ela deixou de ser uma piada. Da mesma forma, o fato de um trabalho de conclusão de curso ser produzido em um computador e enviado ao professor por e-mail não significa que ele não deva observar as convenções relativas ao gênero, devendo ser redigido com clareza, coerência, coesão e na variedade culta da língua.

Ressalto que a noção de gênero não deve ser confundida com a de suporte, que é base física (papel, madeira, tecido, plástico etc.) na qual se registram e se conservam textos verbais ou não verbais.

Suportes de escrita são, por exemplo, o papel – solto ou encadernado em forma de livros –, lousas, tecidos e o suporte eletrônico. É fundamental entender que o fato de os textos se materializarem em novos suportes não altera em nada seu caráter dialógico e da forma de interação entre sujeitos. Quanto ao aspecto interativo, os suportes digitais, permitiram que a interação se intensificasse. Antes, a pessoa recebia uma carta, tinha de dispor de papel e caneta para respondê-la, colocá-la em um envelope, levá-la ao correio para selar e pagar por isso. O destinatário receberia a resposta somente dali a alguns dias.

Hoje, recebemos uma mensagem eletrônica e podemos respondê-la imediatamente sem custo algum (exceto os decorrentes de estarem ligados à internet). O destinatário pode receber a mensagem instantaneamente onde estiver e poderá dar uma resposta imediata. Nesse sentido, os gêneros digitais possibilitaram uma interação muito próxima a da conversação oral face a face.

Outra observação importante é que as convenções relativas ao gênero se mantêm nos textos digitais, ou seja, o meio digital não é uma terra de ninguém, onde não há leis e se pode fazer o que quiser. O discurso, entendido como a língua em uso, sofre as coerções do gênero. Isso significa que, se o gênero obriga o uso da variedade culta da língua, o texto deve ser escrito nessa variedade. Uma petição judicial, enviada eletronicamente, é exatamente igual a uma petição entregue pessoalmente impressa em folhas de papel.

Chamo a atenção ainda para o fato de que documentos digitais passaram a ter, em inúmeros casos, validade jurídica. Um e-mail pode servir como prova, um recurso a uma autoridade pode ser feito via eletrônica etc.


Este assunto é tratado em meu livro Práticas de leitura e escrita, publicado pela Editora Saraiva. Para adquiri-lo, clique no link abaixo.

2 Comentários


  1. Acho maravilhoso a transformação da escrita,da leitura,e as constantes mudanças nos dias de hoje,a liberdade q temos com a Internet em mãos, nos possibilita uma grandeza de oportunidades q nos leva a infinitas formas de conquistas. Antes a dificuldade era maior pra se enviar uma carta, para respondê-la, até mesmo fazer uma pesquisa de escola. Hoje temos o mundo em nossas mãos, e acho isso maravilhoso pois me possibilitou conhecimentos e oportunidades na qual antes não era possível.
    Acho q sim que as mudanças são necessárias ,cabe a nós saber usá-las da forma adequada e pro nosso próprio conhecimento.

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    1. Estamos vivenciando uma era promissora na questão de comunicação e tal avanço é crucial para a liberdade de comunicação entre distâncias antes não alcançadas ou que , na maioria das vezes era dificultada pelo tempo de espera e pela distância. Acho isso tudo maravilhoso e oportuno para a humanidade.

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