Língua e texto

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Define-se língua como a linguagem que tem como conjunto de sinais as palavras. O conceito de língua se confunde, portanto, com o de linguagem verbal. Trata-se de um sistema de sinais e de regras para a combinação desses sinais que vai constituir o plano da expressão dos textos verbais.

A língua tem caráter social, isto é, ela pertence a toda a comunidade de falantes. Ela é uma das formas que as pessoas têm à disposição para exercer a faculdade da linguagem, que é a de representar ou simbolizar algo.

O conjunto de sinais, as palavras, de que se constitui a língua é denominado léxico. Trata-se de um inventário de palavras que está à disposição dos falantes. É um conjunto bastante extenso e aberto, porque palavras novas surgem, por exemplo, uberização; outras desaparecem, por exemplo, desquite; outras adquirem novos significados, a palavra tarimba, nome que se dá a um espécie de cama dura e desconfortável usada, sobretudo em quartéis, passou a ser usada com o sentido de aptidão, experiência em algo. Uma pessoa tarimbada é uma pessoa que tem muita experiência para executar algo.

Não devemos confundir léxico com vocabulário. O léxico corresponde à língua; o vocabulário diz respeito aos falantes da língua, por isso é que dizemos que o determinado autor tem um vocabulário rebuscado e não um léxico rebuscado.

O léxico não deve ser entendido apenas como uma lista enorme, pois engloba também elementos lexicais que estão à disposição dos falantes para formar palavras, como os sufixos, por exemplo. O conhecimento que os falantes têm de que o sufixo –ista, em português, forma palavras que indicam o adepto ou simpatizante de algo ou de alguém é que lhes permite formar palavras como esquerdista, direitista, ou saber o que significam as palavras petista e bolsonarista.

Como o léxico é um conjunto muito extenso de palavras, nenhum falante tem o domínio completo dele, e isso não constitui problema para que se use a língua com proficiência. O vocabulário varia de pessoa para pessoa já é um conjunto bem menor de palavras e pode ser:

  1. ativo: formado pelo conjunto de palavras que os falantes conhecem e usam;
  2. passivo: conjunto de palavras que os falantes compreendem, mas normalmente não usam.

Observe agora essa sequência de palavras.

O segredos não vinho a demasiado nem palavra guarda cumpre.

            Você certamente conhece todas essas palavras, pois pertencem ao léxico da língua portuguesa e fazem parte de seu vocabulário ativo. No entanto, elas não formam um texto.

Por maior que seja o esforço que você empreenda, não consegue dar sentido a isso. Se não há sentido, não se pode falar que haja texto. Por que essas palavras, embora pertençam ao léxico português e são conhecidas por você, isto é, fazem parte de seu vocabulário, não formam um texto?

Porque uma língua não se faz apenas com palavras, é preciso que as palavras estejam organizadas de acordo com algumas poucas regras que os falantes conhecem. O conjunto dessas regras é o que se denomina gramática. Ao contrário do léxico, que é um conjunto muito extenso a tal ponto de nenhum falante ter o domínio completo dele, a gramática é um conjunto de poucas regras que os falantes dominam de modo completo. Se usarmos as regras da gramática da língua para combinarmos as palavras acima, teríamos algo como

O vinho demasiado não guarda segredos nem cumpre a palavra.

Agora sim podemos dizer que temos um texto, pois é uma unidade de sentido capaz de estabelecer comunicação entre sujeitos.

Quando afirmamos que a gramática é um conjunto de poucas regras que os falantes dominam de modo completo, você pode estar se perguntando duas coisas: Poucas regras? Os falantes dominam a gramática da língua de modo completo?

Sua dúvida deve repousar no fato de que, na escola ou consultando alguma gramática, já deve ter reparado que o número de regras que fazem parte das gramáticas escolares é muito grande, de tal sorte que nunca conseguiu conhecê-las de modo completo.

Sua dúvida tem procedência, porque a gramática de que falamos e que tem poucas regras e que dominamos de modo completo não é a gramática que nos apresentam na escola ou a que consta nos livros de gramática. Essa sim tem muitas regras e a maioria dos falantes não têm, de fato, o domínio completo delas.

A gramática a que nos referimos que, junto com o léxico forma a língua, é aquela que aprendemos naturalmente, independentemente de escolarização. Observe que as crianças compreendem e produzem textos muito antes de frequentarem a escola, porque aprenderam por meio do contato com outros falantes a gramática da língua.

Você, a esta altura, já percebeu que, para produzir textos, efetuamos dias operações:

  1. seleção: escolha, dentro de um inventário bastante amplo (o léxico) das palavras que vamos usar;
  2. combinação: arranjo dessas palavras segundo algumas regras (a gramática) e segundo o sentido que pretendemos produzir.

A seleção e a combinação se operam em dois eixos: um vertical, chamado paradigma e um vertical, denominado sintagma. No paradigma, as palavras se agrupam em classes: substantivos, adjetivos, verbos etc.

Selecionadas as palavras no paradigma, os falantes as combinam umas depois da outras no eixo sintagmático, obedecendo às regras de que já falamos. A linguagem verbal, portanto, se caracteriza pela linearidade. Na fala, um fonema é colocado depois do outro, na escrita uma pela depois da outra. A linearização da escrita em português obedece a seguinte ordem: da esquerda para a direita e de cima para baixo, como você está vendo nas páginas deste livro.

É importante que você tenha em mente que o sentido das formas linguísticas não é dado apenas palavras, mas também da relação que elas mantêm entre si, por isso expressões formadas pelas mesmas palavras apresentarão sentidos diferentes e a relação que se estabelecer entre elas for diferente. Compare:

a) O caçador matou o tigre.

b) O tigre matou o caçador.

Ambas são formadas exatamente pelas mesmas palavras, no entanto não expressam o mesmo sentido. Isso ocorre porque as relações entre elas são diferentes, o que significa que exercem funções diferentes na frase. Na primeira, caçador relaciona-se a matou e exprime o agente da ação (aquele que matou). Na segunda, a função de agente da ação de matar cabe a tigre.

Esse assunto é discutido em nosso livro Linguagem, língua e fala, publicado pela Editora Saraiva. Para adquiri-lo clique no link abaixo.

2 Comentários


  1. Você já leu o livro “Conversas com Linguistas”? São entrevistas cujas perguntas seguem a mesma ordem lógica, entre as primeiras perguntas está “o que é língua?”. Talvez tenha faltado seu livro lá ou a controvérsia cá.

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