Lógica e argumentação

Tempo de leitura: 12 minutos

A Lógica tem por objeto as formas do pensamento em geral. Quando expomos uma ideia para defender nosso ponto de vista, lançamos mão de argumentos que podem ou não ser provados. Elaboramos argumentos, fundamentalmente, com a finalidade de persuadir.

Para a Lógica, não interessa o efeito persuasivo dos argumentos: há argumentos corretos que não têm nenhum efeito persuasivo e argumentos incorretos extremamente persuasivos. O que interessa à Lógica são as técnicas para a análise dos argumentos e os métodos que permitem distinguir os que são válidos e os que não são.

Embora seja uma parte da Filosofia, a Lógica, por tratar do raciocínio, aplica-se a qualquer área do conhecimento, a qualquer tipo de formulação de ideia, inclusive àquelas que fazemos em situações da vida prática. 

Métodos de raciocínio

A Lógica distingue dois métodos de raciocínio: o indutivo e o dedutivo. No primeiro, partimos do particular para o geral. No segundo, do geral para o particular.

Pela indução, elaboramos conclusões a partir da análise de fatos concretos e específicos observados na realidade. Ou seja, se algo é válido a algumas coisas de um determinado gênero, podem ser válidas a todas as coisas daquele gênero (por exemplo: observo que vários cavalos são velozes; então concluo que todos os cavalos são velozes). Por se tratar de uma generalização, essas conclusões podem ser verdadeiras ou não.

Na dedução, formamos conclusões a partir de pressuposições gerais (as premissas). Se elas forem verdadeiras e o raciocínio obedecer às leis da lógica, chegaremos a uma conclusão que será certamente verdadeira. A forma típica do raciocínio dedutivo é o silogismo.

O silogismo

Silogismo é a forma de raciocínio dedutivo pelo qual, a partir de duas proposições apresentadas, as premissas, infere-se necessariamente uma outra, a conclusão. Para fins de análise lógica, os argumentos são apresentados em uma forma padrão. Veja:

Todo homem é mortal. (premissa maior)

Sócrates é homem. (premissa menor)

Logo, Sócrates é mortal. (conclusão)

Os silogismos somente serão válidos se as premissas forem verdadeiras e apresentarem uma forma válida. Caso uma dessas condições não ocorra, teremos um silogismo não válido, ao qual se dá o nome de sofisma.

O silogismo acima é válido (não se trata de um sofisma, portanto), uma vez que ambas as premissas são verdadeiras e ele apresenta uma forma válida.

São várias as formas que conferem validade a um silogismo. Apresentaremos em seguida a mais comum. Para isso, vamos retornar ao silogismo inicial.

Todo homem é mortal. (premissa maior – geral: todo homem)

Sócrates é homem. (premissa menor – particular: Sócrates)

Logo, Sócrates é mortal. (conclusão)

Se substituirmos os termos homem, mortal e Sócrates, respectivamente, pelas letras a, b e c, teremos:

Todo a é b. (premissa maior)

c é a.     (premissa menor)

Logo, c é b. (conclusão)

É considerado válido todo silogismo cuja premissa maior seja universal (todo, todos, nenhum) e apresentar a forma acima.

Observe que, nessa forma de silogismo válido, há um termo (a) que aparece em ambas as premissas, ao qual se dá o nome de termo médio. No silogismo válido, o termo médio nunca poderá aparecer na conclusão e a extensão de significado da segunda premissa tem de ser necessariamente menor que a da primeira (daí os adjetivos maior e menor para caracterizar o substantivo premissa).

Nada impede que, nos silogismos, premissas venham acompanhadas de prova. Veja:

Todos os eleitores devem votar, porque esse é um direito do cidadão.

Ora, você é eleitor.

Logo, deve exercer o direito do voto.

Analisemos agora alguns silogismos:

Toda palavra proparoxítona é acentuada graficamente. (premissa maior)

A palavra maracujá é proparoxítona. (premissa menor)

Logo, a palavra maracujá é acentuada graficamente. (conclusão)

Temos, nesse caso um silogismo não válido, já que a premissa menor não é verdadeira (maracujá não é proparoxítona; e sim, oxítona).

Algumas palavras paroxítonas são acentuadas graficamente. (premissa maior)

A palavra júri é paroxítona. (premissa menor)

Logo, a palavra júri deve ser acentuada. (conclusão)

Temos, nesse caso, um sofisma porque a premissa maior não é universal (algumas palavras).

Todas as palavras proparoxítonas são acentuadas graficamente. (premissa maior)

A palavra árvore é proparoxítona. (premissa menor)

Logo, a palavra árvore é trissílaba. (conclusão)

Nesse caso, temos também sofisma, uma vez que, embora ambas as premissas e a conclusão sejam verdadeiras, a conclusão não decorre das premissas: o termo trissílaba não aparece nas premissas! Em outras palavras, esse silogismo não apresenta uma forma válida.

Como você deve ter notado, não basta que a conclusão seja verdadeira para que o silogismo seja válido. Insistimos: para que seja válido, é preciso que as premissas sejam verdadeiras e que o silogismo apresente uma forma válida.

É importante lembrar que, na linguagem cotidiana, você raramente encontrará silogismos expressos na forma padronizada que apresentamos acima. Por isso, para verificar sua validade, é muito importante que você saiba identificar as premissas (que nem sempre estão explícitas) e a conclusão (que pode aparecer antes das premissas ou entre elas).

Quando alguém afirma, por exemplo, “é claro que árvore tem acento”, essa assertiva é conclusão de um silogismo que pode ser montado assim:

Já que todas as palavras proparoxítonas levam acento. (premissa maior)

Já que árvore é proparoxítona. (premissa menor)

É claro que (logo) árvore tem acento. (conclusão)

A conclusão de um silogismo é introduzida por conectores conclusivos: portanto, logo, assim, por conseguinte, e as premissas por conectores explicativos ou causais: já que, uma vez que, porque, pois, etc.

Silogismo truncado

Certas afirmações são tão óbvias e pacificamente aceitas que nem precisamos enunciá-las. Quando alguém afirma: “O doutor Fernando é pediatra”, podemos concluir com certeza que o doutor Fernando é médico. Nos silogismos, pode ocorrer fato idêntico. Quando a premissa maior é óbvia ou pacificamente aceita, não precisa ser explicitada. Quando isso ocorre, temos um silogismo truncado. Veja:

Ficou provado nos autos que o deputado cometeu um crime, portanto ele deve ser punido.

A premissa maior – todo crime deve ser punido – está subentendida, por ser evidente.

O enunciado acima poderia ser assim representado:

Todo crime deve ser punido. (premissa maior)

Ficou provado que o deputado cometeu um crime. (premissa menor)

Logo, o deputado deve ser punido. (conclusão)

Silogismos alternativos

São aqueles que apresentam na premissa maior proposições ligadas por ou. Observe:

Ou incentivamos a agricultura, ou teremos problemas de abastecimento.

Não incentivamos a agricultura.

Logo, teremos problemas de abastecimento.

Nesse tipo de silogismo, afirmando-se uma das alternativas da premissa maior na menor, a conclusão é negativa

Ou preservamos a natureza, ou desapareceremos.

Preservamos a natureza.

Logo, não desapareceremos.

Negando-se uma das alternativas da premissa maior na menor, a conclusão é afirmativa.

Ou preservamos a natureza, ou desapareceremos.

Não preservamos a natureza.

Logo, desapareceremos.

Os silogismos condicionais podem ser representados pelas formas:

Ou p ou q.                           Ou p ou q.

p.                                         Não p.

logo, não q.                         Logo, q.

em que p e q representam enunciados.

As formas acima apresentadas para o silogismo alternativo são formas válidas.

Polissilogismo

Um silogismo pode encadear-se com outro. Nesse caso, a conclusão de um passa a ser premissa do seguinte, formando o que se denomina um polissilogismo (poli, do grego: muitos, vários, diversos). Veja:

Todo engenheiro é bom administrador.

João é engenheiro.

Logo, João é bom administrador.

Um bom administrador é um bom político.

Logo, João será bom político.

Um bom político faz muitas obras.

Logo, João fará muitas obras.

Obras geram empregos.

Logo, João acabará com o desemprego.

Nesse exemplo, temos um silogismo não válido. Observe que, no encadeamento, a conclusão de um silogismo passa a ser a premissa menor do silogismo seguinte, que apresenta, por sua vez, uma premissa maior que não é consequência do silogismo anterior (por exemplo: “Um bom administrador é um bom político”, afirmação duvidosa, mas que é introduzida como verdade universal).

No polissilogismo apresentado, concatenou-se deficientemente as relações, levando a uma conclusão final falsa. Os polissilogismos são comuns em discursos argumentativos que pretendem ser extremamente persuasivos. Em época de eleição, por exemplo, é uma prática corriqueira candidatos utilizarem raciocínio semelhante ao apresentado acima para persuadir eleitores. É preciso, pois, ficar atento para não cair na armadilha de argumentos desse tipo.

Falácias

A palavra falácia provém do latim e significa “trapaça”, “engano”, “ardil”. Falácias são argumentos logicamente falsos, muitas vezes usados para enganar alguém. Podem-se distinguir dois tipos de falácias: as decorrentes de erro na forma (silogismos não válidos, por exemplo) e as decorrentes de erros nos fatos apresentados. Apresentamos, a seguir, alguns tipos de argumentos falaciosos.

Argumentação redundante

Trata-se de uma forma de enunciado muito utilizada por pessoas que não têm argumento para sustentar um ponto de vista. Consideram provado justamente aquilo que deveria sê-lo.

Quando alguém afirma, por exemplo, “fumar é prejudicial à saúde, porque prejudica o organismo”, não está expondo nenhum argumento que justifique a afirmativa de que fumar é prejudicial à saúde. Na verdade, aquilo que seria a justificativa (porque prejudica o organismo) repete com outras palavras o ponto de vista que se quer demonstrar. 

A tautologia – dizer uma mesma coisa com outras palavras –, o pleonasmo e o círculo vicioso são exemplos típicos desse tipo de argumento. Observe:

Ele morreu porque deixou de viver.

O atleta foi o primeiro colocado porque chegou em primeiro lugar.

O Brasil é pentacampeão mundial de futebol porque ganhou a Copa do Mundo cinco vezes.

O ouro é valioso porque tem muito valor.

Este biscoito é fresquinho porque vende mais e vende mais porque é fresquinho.

Como dissemos no início do post, pode haver argumentos corretos que não têm efeito persuasivo e argumentos incorretos extremamente persuasivos. Fica aqui uma sugestão: faça a análise lógica de alguns textos publicitários, de alguns slogans e comprove o que vai dito acima.

Falsa causa

Consiste em colocar como causa de um fato algo que na verdade não o provocou, mas simplesmente o antecedeu. Nem todo acontecimento que precede outro é causa dele.

Muitas crendices populares e superstições são decorrentes de falsas causas. Alguém que, por exemplo, tenha passado embaixo de uma escada e depois lhe tenha sobrevindo algum acontecimento ruim começa a associar “passar embaixo de escada” como causa de “acontecimento ruim”. Na verdade, o que ocorreu foi um acontecimento (passar embaixo de escada) ter precedido o outro (acontecimento ruim) sem que houvesse entre eles relação de causa e efeito. Uma afirmação como “A Seleção perdeu porque não jogou com a camisa amarela” é uma falácia, uma vez que o que é dado como causa (jogar com a camisa amarela) não foi motivo para que a Seleção perdesse.

Argumento de autoridade

O argumento de autoridade consiste em se recorrer ao testemunho de alguém para justificar um ponto de vista. Quando se apela para a autoridade de pessoa reconhecidamente especialista no assunto que se discute, temos uma forma válida de argumentação. Não se trata de uma falácia, portanto.

 Muitas vezes, no entanto, para dar validade a um argumento, apela-se para o testemunho de alguém bastante conhecido para apoiar posições que estão fora de seu campo de saber. Diversos anúncios publicitários fazem uso desse recurso. É conhecida uma campanha publicitária em que o ex-jogador de futebol Pelé comenta as vantagens de uma determinada marca de vitamina. Trata-se inegavelmente de uma falácia, uma vez que o ex-jogador opina sobre um assunto fora de sua área de saber.

Generalização apressada

Nesse caso, a exceção é tomada como regra. Se alguém afirma “É mentira que o fumo é prejudicial à saúde. Meu avô fumava muito desde jovem e morreu aos 96 anos”, a afirmativa “É mentira que o fumo é prejudicial à saúde” é falaciosa porque decorre de uma exceção, de um caso particular (meu avô).

Esse tipo de falácia pode ser observado em enunciados que revelam preconceito. Afirmativas como “O índio é preguiçoso”, “Português é burro”, “Brasileiro não gosta de trabalhar”, “Todo turco é pão-duro”, entre tantas outras, são fruto de generalizações apressadas.

Conclusão

Os conceitos de Lógica aqui apresentados tiveram por finalidade fornecer subsídios importantes para a produção e leitura de textos, sobretudo daqueles em que a argumentação se faz presente. Dentro dos limites e propósitos deste post, limitamo-nos a apresentar, em linguagem simples, rudimentos dessa matéria tão complexa.

2 Comentários


  1. Caro professor Ernani,

    Fico muito surpreso com a sua capacidade em explicar assuntos tão complexos em uma linguagem simples. Faz um bom tempo que acompanho seu trabalho e sempre me deparo com textos maravilhosos como este que me enriquecem. Agradeço-te por compartilhar seus conhecimentos e espero ardentemente que esta tua boa vontade jamais se extinga. Um forte abraço de quem te admira muito!

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    1. Oi, Jeová! Grato pelas sua palavras bastante generosas. Elas são um grande incentivo para que eu prossa prosseguir o trabalho. Abraços.

      Responder

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