Metáfora

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Aristóteles afirma que “a metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra […] por de via de analogia”. A metáfora consiste, portanto, numa alteração de significado baseada em traços de similaridade entre dois conceitos. Uma palavra ou expressão que designa uma coisa passa a designar outra por haver entre elas traços de semelhança. A metáfora é, portanto, uma comparação implícita, isto é, sem o conectivo comparativo.

A metáfora está intimamente ligada à linguagem humana não só como recurso expressivo, mas também como forma de criar novas palavras. Quando alguém criou a palavra orelhão para nomear cabines de telefone público, fez isso por um processo metafórico, já que aquelas cabines lembram de certa forma uma grande orelha. O mesmo ocorre com a expressão fio dental, criada por um processo metafórico para designar um tipo de roupa de banho.

A metáfora e a metonímia são as principais figuras de retórica. Há quem afirme, com razão, que essas são as únicas figura de retórica, pois as demais ou são espécies de metáfora ou de metonímia. Ressalto que o estudo das metáforas não é de competência exclusiva da retórica; várias outras disciplinas têm se preocupado com esse processo de criação de novos significados: a linguística, a semântica, a estilística, a poética, a psicologia e a psicanálise. Sobre o papel da metáfora no discurso, Fairclough, na obra Discurso e mudança social assinala que

As metáforas penetram em todos os tipos de linguagem e em todos os tipos de discurso, mesmo nos casos menos promissores, como o discurso científico e técnico. Além disso, as metáforas não são apenas adornos estilísticos superficiais do discurso. Quando nós significamos coisas por meio de uma metáfora e não de outra, estamos construindo nossa realidade de uma maneira e não de outra. As metáforas estruturam o modo como pensamos e o modo como agimos, e nossos sistemas de conhecimento e crença, de uma forma penetrante e fundamental.

Atente para este verso de Fernando Pessoa:

Meu pensamento é um rio subterrâneo.

Um rio subterrâneo é metáfora de meu pensamento. Uma expressão que, normalmente designa uma coisa (curso d’água que corre por baixo da terra), passa a designar outra. Houve, pois, uma transposição de significado. Como isso foi possível? Lembre-se de um exemplo citado anteriormente, o do orelhão. Por que uma cabine telefônica passou a se chamar orelhão? Como isso foi possível? Porque, de certa forma, aquele modelo de cabine telefônica lembra uma orelha grande; porque há entre a cabine telefônica e a orelha grande traços de similaridade. Essa é a palavra-chave para entender o processo metafórico: similaridade. Toda metáfora se apoia numa relação de semelhança entre dois conceitos. O raciocínio em que se baseia a criação de metáforas é um raciocínio analógico.

Volto ao verso de Fernando Pessoa. Rio subterrâneo passa a designar pensamento, por haver entre esses dois elementos alguma semelhança que o poeta evidencia. Observe que a metáfora é uma forma de comparação em que a palavra que exprime o nexo comparativo não vem expressa no enunciado. Se a frase fosse Meu pensamento é como um rio subterrâneo, não teríamos metáfora, e sim comparação. Mas note que a metáfora é mais expressiva que a comparação. Na metáfora, a partir da interação entre dois conceitos (A e B), infere-se um terceiro (C).

Veja, na passagem a seguir, extraída das obra Terra sonâmbula, do escritor moçambicano Mia Couto se vale de metáforas para caracterizar a guerra.

“A guerra é uma cobra que usa nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios de nossa alma. De dia já não saíamos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos.”

Há casos de metáfora, contudo, em que só aparece o termo metafórico, como em “Foi um rio que passou em minha vida”. Nesse caso, diz-se que ocorre metáfora in absentia. Nos versos a seguir, também temos exemplos de metáforas em que só aparecem os termos metafóricos (metáforas in absentia).

“Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade” (Chico Buarque)

Neles, as formas verbais semeio e bebo são metáforas. Observe inicialmente que estão empregadas em sentido figurado. O sentido original de semear e beber é, respectivamente, “lançar sementes à terra” e “ingerir líquido”; portanto, literalmente falando, não é possível semear vento nem beber tempestade. Temos aí predicações impróprias, já que ocorrem desvios semânticos com base numa relação analógica.

A escolha da expressão metafórica não é aleatória, na medida em que revela as crenças e ideologias de quem a emprega em relação ao ser nomeado. Logo, não é suficiente identificar as metáforas. A leitura competente se faz pelo desvelamento da metáfora, uma vez que o sentido que ela constrói relaciona-se a formações ideológicas, como você pode observar no trecho a seguir, extraído do romance Niketche: uma história de poligamia, da escritora moçambicana Paulina Chiziane. Nele, temos um diálogo entre o marido (Tony) e sua mulher (Rami). Trata-se de texto figurativo em que metáforas revelam a visão machista que o homem tem da mulher na sociedade patriarcal moçambicana.

– Rami, a minha vida era boa. Fazia tudo o que queria. Visitava as mulheres quando me apetecia. Tirava o dinheiro do meu bolso, pagava-as quando mereciam. Agora que têm esses vossos negócios julgam-se senhoras mas não passam de rameiras. Julgam que têm espaço, mas não passam de um buraco. Julgam que têm direito e voz, mas não passam de patos mudos.

– Estamos a ganhar dinheiro para melhorar a vida, Tony.

– Por isso me afrontam, porque têm dinheiro. Por isso me abusam, porque têm negócios. Por isso me faltam ao respeito, porque se sentem senhoras. Mas eu sou um galo, tenho cabeça no alto, eu canto, eu tenho dotes para grandes cantos. Pois saibam que o vosso destino é cacarejar; desovar, chocar, olhar uma para a terra e esgaravatar para ganhar minhoca e farelo de grão. Por mais poder que venham a ter, não passarão de uma raça cacarejante mendigando eternamente o abraço supremo de um galo como eu, para se afirmarem na vida. Você são morcegos na noite piando tristezas, e as vossas vozes eternos gemidos.


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