O conto dramático

Tempo de leitura: 3 minutos

Este artigo trata de um tipo de conto não muito comum, o conto dramático. Um dos mestres desse tipo de conto foi o norte-americano Ernest Hemingway (1899 – 1961). Tratar do conto dramático, obriga-nos, antes de mais nada, a falar dos modos de representação, segundo Aristóteles.

O filósofo grego distinguia o modo dramático, em que há representação, do narrativo, em que um narrador conta algo.  O conto pertence ao modo narrativo. Isso significa que há um narrador que conta a história, o qual pode ou não fazer parte da história narrada. Evidentemente,  a função de narrador vai além da função de contar a história. Compete a ele, também, organizar o discurso, dar voz às personagens, fazer descrições de ambientes e personagens, tecer comentários sobre o que é narrado.

Há contos, entretanto, em que a presença do narrador é mínima. Ele se limita a colocar as personagens em cena, dar voz a elas, que conduzem sozinhas a narrativa como se estivessem em cena em um teatro representando seus papéis diante de um público. Assim, quem ocupa o primeiro plano da narrativa não é o narrador, mas as personagens. Como nesse caso o que predomina são falas de personagens em discurso direto, há uma aproximação desse tipo de conto com a linguagem oral.

 É preciso considerar ainda que, em decorrência da verossimilhança, as personagens devem empregar uma variedade de linguagem adequada, não só à situação comunicativa, mas também ao seu nível sociocultural. Como exemplo, reproduzimos a seguir, um trecho do conto dramático Cinquenta mil, de Ernest Hemingway.

— E você como vai, Jack? — perguntei.

— Viu esse Walcott?

— No ginásio.

— Vou precisar de muita sorte com esse garoto — falou Jack.

— Ele não pode com você, Jack — afirmou Soldier.

— Deus queira que não.

— Ele não pode com você nem a chumbo.

— Quem me dera fosse só com chumbo — admitiu Jack.

— Ele parece fácil de acertar — falei.

— Parece — concordou Jack. Ele não vai durar muito. Não vai durar como você e eu, Jerry. Mas, no momento, está com tudo.

— Você despacha ele com a esquerda.
— Pode ser. Pode até ser.
— Trate ele como tratou Kid Lewis.
— Kid Lewis. Aquele judeca — lembrou Jack.

Embora uma das personagens exerça também a função de narrador, não há praticamente narração, na medida em que a história vai sendo contada por meio das falas das personagens. Esse recurso confere ao texto um efeito de realidade, uma vez que a cena vai se desenrolando diante do leitor. Esse efeito é dado ainda pela adequação da linguagem usada em relação às personagens. Observe que a variedade linguística empregada no diálogo se afasta do que é estabelecido pelas gramáticas como norma padrão.

Perceba ainda que a personagem Jerry desempenha dupla função no conto: a de personagem, que fala em discurso direto, e a de narrador. Nesta última, seu papel é mínimo, limitando-se a indicar quem fala nos diálogos. Note ainda que o enxugamento do papel do narrador determina que no conto não haja descrições, nem de personagens, nem do espaço.


Esse assunto é tratado no livro O conto na sala de aula, publicado pela Editora InterSaberes, que escrevi em parceria com Jessyca Pacheco. Nessa obra, tratamos do gênero conto, sua história, suas características, seus tipos e ainda apresentamos análises, comentários sobre contos e indicações de leitura e de filmes que se relacionam com temas estudados.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.