O infinitivo em português

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Uma professora leitora do blogue entrou em contato comigo para que eu respondesse a uma dúvida sobre o uso do infinitivo. Queria saber se deveria ser empregada a forma flexionada ou a não flexionada. A dúvida procede,  porque o emprego da forma flexionada do infinitivo é uma pedra no sapato de todos os que trabalham com o a língua pátria.

Diz-se que o infinitivo flexionado é um idiotismo da língua portuguesa. Dá-se o nome de idiotismo a algo que é exclusivo de uma dada língua. Assim, quando se afirma que o infinitivo flexionado é um idiotismo da língua portuguesa, estamos dizendo que o português é a única língua do mundo que flexiona o infinitivo. Se isso é verdade, não posso jurar de pés juntos, porque eu teria de conhecer todas as outras língua existentes no mundo para endossar essa afirmação. Se é a flexão do infinitivo só ocorre em português, não sei, mas sei que flexionar o infinitivo não é comum mesmo.

A dúvida da professora leitora fazia referência a um trecho do livro Mayombe, do escritor angolano Pepetela. O trecho é o seguinte: “Pararam às cinco horas, para procurarem lenha seca e prepararem o acampamento (…)”. Ela afirma que o “procurarem” e o “prepararem” soam estranho e pergunta se não poderia usar procurar e preparar no lugar das formas flexionadas.

Vejam bem: em primeiro lugar devemos de pronto afastar qualquer discussão que se polarize entre certo e errado. Não dá para levantar qualquer hipótese se Pepetela escreveu certo ou errado, segundo o que gramáticos e linguistas chamam de norma culta do português. Levem em conta que, antes de mais nada, Pepetela escreve em uma variedade do português que não é a nossa, o português brasileiro. Pepetela escreve numa variedade do português angolano.

Dizer se está certo ou errado equivaleria a dizer que, quando um autor espanhol escreve Me gusta, há um erro porque na norma culta do português não se deve começar frase por pronome oblíquo átono e que o certo seria Gusta-me. Absurdo. O espanhol tem suas normas e o português tem as suas. Mesmo, numa mesma língua, as normas não são rígidas, cada variedade tem suas próprias normas. Em português, até mesmo nos usos mais cultos e formais, já é comum começar frases por pronome oblíquo átono: Me empreste o livro, Me ligue amanhã, em vez de Empreste-me o livro e Ligue-me amanhã.

Se o emprego de pronomes oblíquos em início de frase, não nos causa estranheza, o mesmo não se dá com o emprego do infinitivo flexionado. Por quê? Simplesmente por que o uso do pronome oblíquo em começo de frase está tão disseminado que nosso ouvido não estranha. No entanto, como o uso da forma flexionada do infinitivo é pouco frequente, quando nos deparamos com ela, o sinal vermelho se acende: certo ou errado?

O pouco que conheço da variedade angolana do português vem da leitura de seus autores publicados no Brasil. Além de Pepetela, já li Luandino Vieira, Ondjaki, José Eduardo Agualusa. Mesmo tendo lido esses autores, não posso afirmar que usam o que se chama variedade culta do português angolano, pois são autores cuja linguagem apresenta traços do português europeu e brasileiro. Por serem autores literários, o uso que fazem da língua é marcado pelo elemento estético.

Em resumo, ficar discutindo se Pepetela deveria usar a forma não flexionada no lugar da flexionada é cometer um crime que atinge o autor e sua obra. O leitor não deve se preocupar com isso. Tanta coisa boa na obra de Pepetela e ficar indagando se o uso que ele faz do infinitivo é certo ou errado é muito empobrecedor.

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