O professor e o louco

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Está em cartaz nos cinemas o filme O gênio e o louco (The Professor and the Madman) dirigido de Farhad Safinia, com Mel Gibson e Sean Penn nos papéis principais. O filme é razoável, mas está a quilômetros de distância do livro no qual se inspira, O professor e o louco: uma história de assassinato e loucura durante a elaboração do dicionário Oxford, de Simon Winchester, tradução para o português de Flávia Villas-Boas (Companhia das Letras, 2009).

Enquanto no filme os protagonistas são o filólogo e lexicógrafo inglês James Murray e o médico e oficial do exército norte-americano William Minor; no livro, o protagonista é o dicionário, mais exatamente o monumental Oxford English dictionary. O livro narra com riqueza de detalhes a elaboração do dicionário sob coordenação de Murray, com a inestimável colaboração de Minor. Não é por acaso que todos os capítulos do livro se abrem por um verbete do OED.

Dos dois personagens, Mirror é sem dúvida quem mais desperta empatia dos leitores e, no caso do filme, dos espectadores. Na leitura do livro fica claro também que essa empatia maior é também do autor do livro, o que se justifica pela vida que Minor levou. Médico, participou na Guerra de Secessão, esteve no Ceilão e, na Londres vitoriana, cometeu um homicídio, cuja vítima é um pobre trabalhador inglês, George Merrett, a quem Winchester dedica o livro.

Julgado pelo homicídio, Minor é inocentado, uma vez que o tribunal o considera “louco”. Em vez de cumprir pena numa prisão, é mandado para um asilo de loucos, onde passará a viver, sem que a doença se afaste. Alterna momento de sanidade com crises de loucura. Numa delas, pratica a autopenectomia, isto é, a amputação do próprio pênis. Num dos capítulos finais do livro, Winchester trata da esquizofrenia e dos tratamentos que se davam a ela no século XIX.

Na versão cinematográfica, Minor é simplesmente apresentado como louco, mas o filme não esmiúça a origem do comportamento esquizofrênico de Minor, cujo gatilho teria sido disparado pelos horrores a que assistiu durante a Guerra de Secessão, particularmente ao fato de ele ter sido obrigado a marcar com ferro a letra D no rosto de soldado que teria desertado. A partir desse acontecimento, Minor começa a “ver” inimigos que saíam do solo para liquidá-lo.

Internado no asilo, Minor toma contato com uma carta de Murray que pede colaborações ao dicionário. Pessoa extremamente culta, a contribuição de Minor, durante anos, se torna essencial para a elaboração do dicionário. O fato é que, embora colaborador ativo de Muray, este só veio a conhecer pessoalmente o Dr. Minor depois de vinte anos, quando o organizador do dicionário visita o médico no asilo de insanos.

A contribuição de Minor só foi possível porque ele gozava de certa liberdade dentro do asilo, tendo acesso a livros e podendo se corresponder com Murray. No entanto, uma mudança na direção do asilo acaba impedindo que Minor pudesse continuar seu trabalho. Novo tipo de tratamento lhe é imposto, o que acaba agravando seu estado mental.

Termino, transcrevendo um trecho do livro que permite uma reflexão sobre o que é e como deve ser um dicionário (lembro que no Brasil, não há muito tempo, tivemos ações para expurgar palavras dos dicionários). Segue o trecho.

“[…] era necessário conscientizar-se de que um dicionário era simplesmente ‘um inventário da língua’ e, decididamente, não um guia para o uso adequado do idioma. Seu compilador não devia a se meter a selecionar palavras para serem incluídas com base no fato de serem boas ou más. Mas todos os praticantes do ofício, inclusive Samuel Johnson, foram culpados de fazer exatamente isso. O lexicógrafo […] era um historiador […] não um crítico. Não estava ao arbítrio de um ditador – ou de uma Quarentena, com um aceno insolente a Paris – determinar quais palavras deveriam ou não ser usadas. Um dicionário tinha de ser o registro de todas as palavras que desfrutam de qualquer tempo de vida reconhecível na língua-padrão.

E o coração de um tal dicionário deveria ser a história do período de vida de toda e qualquer palavra. Algumas palavras são antigas e ainda existem. Outras, ainda, surgem durante a vida de alguém, continuam a existir na geração seguinte e, na próxima, parecendo prontas para durar sempre. Mas todos esses gêneros de palavras constituem partes válidas da língua inglesa, não interessando se são velhas e obsoletas ou novas com um futuro questionável”.

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