O texto argumentativo

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Inicialmente, destaco que a argumentatividade é constitutiva de todos os textos, pois quem escreve pretende que o leitor aceite seu texto. Em alguns gêneros, como a publicidade, é facilmente identificada. Em outros, como uma notícia, não pode não se mostrar de forma tão clara. Neste post, não me refiro à argumentatividade em sentido amplo, mas a um tipo específico de texto, que se denomina argumentativo e que se manifesta em gêneros do discurso como o artigo de opinião, o editorial, o sermão do padre.

Há uma longa tradição de estudo dos textos argumentativos que remonta à Antiguidade e que pode ser encontrada na obra Arte retórica, de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). A retórica voltava-se ao estudo de como usar bem a linguagem, especialmente, tendo em vista o público a quem era dirigida e opunha-se à gramática. Enquanto esta se voltava para o falar correto, aquela se preocupava com o falar bem.

Durante muito tempo, também se usou a palavra dissertação como sinônimo de texto argumentativo. Nos estudos do discurso, optou-se por não usar o termo dissertação como equivalente a texto argumentativo, pois a dissertação pode se manifestar em textos expositivos, um tipo textual voltado a transmissão de saberes. Considero que dissertação é um gênero textual, que pode se manifestar tanto por meio de textos argumentativos quanto expositivos, exemplo típico é um gênero que se convencionou chamar de dissertação de mestrado. Nela, quem produz a dissertação normalmente expõe dados de uma pesquisa e sustenta um ponto de vista por meio de argumentos logicamente encadeados. Ressalte-se que os próprios dados apresentados numa dissertação costumam ser usados como argumentos para comprovar um ponto de vista que se defende, a tese.

Os tipos de textos (descritivo, narrativo, expositivo, argumentativo) correspondem a macroações discursivas, descrever, narrar, expor e argumentar. No texto argumentativo não se conta um fato como na narração, por isso nele não há temporalidade, ou seja, não há um antes e um depois. Também não se faz um retrato de algo como no texto descritivo. Também não tem por objetivo transmitir um saber, como no texto expositivo.

No texto argumentativo, a matéria-prima não são pessoas ou coisas, mas ideias e conceitos, por isso textos argumentativos são predominantemente temáticos. Neles, as ideias e conceitos relacionam-se por implicação, ou seja, por pressuposições lógicas, como as de causa e efeito, de concessão, de condição, de comparação, entre outras.

Essas relações lógicas entre segmentos de um texto, frases ou parágrafos, são estabelecidas principalmente pelas conjunções que podem indicar, por exemplo:

causa: porque, visto que, já que;

condição: se, caso, contanto que;

concessão: embora, se bem que, ainda que;

conclusão: logo, portanto;

oposição: mas, porém, todavia, contudo;

explicação: pois, porque.

Os textos argumentativos costumam ser organizados em três partes que se articulam: introdução, desenvolvimento e conclusão. Na introdução, apresenta-se o tema, o assunto que será discutido, já devidamente delimitado. Nela, pode-se ainda justificar a escolha do tema, dizer sobre sua relevância e ainda apresentar os objetivos da dissertação. O essencial é que se apresente a tese, isto é, o ponto de vista que será sustentado. Como o discurso é marcado pelo dialogismo, a tese apresentada pode refutar uma pré-existente ou aderir a ela. Em suma: um texto argumentativo estabelece com outro(s) uma relação polêmica, quando o(s) refuta total ou parcialmente, ou uma relação contratual, quando manifesta concordância ou aderência em relação a outro(s). Quando, num texto argumentativo, alguém defende, por exemplo, que a comercialização das armas de fogo deve ser proibida está estabelecendo uma relação polêmica, isto é, está se contrapondo a um discurso que defende que as pessoas devem se armar para se proteger.

No desenvolvimento, que corresponde à maior parte do texto argumentativo, razão pela qual costuma ser articulado em mais de um parágrafo, tem-se a argumentação propriamente dita, ou seja, nessa parte a tese deverá ser demonstrada por meio de argumentos consistentes e logicamente encadeados. Como a defesa de um ponto de vista implica a rejeição de outro(s), a utilização de um argumento implica o afastamento de outro(s) que sustenta(m) tese contrário. Isso significa que na argumentação usa-se um raciocínio dialético. Não apenas justifica-se o ponto de vista defendido, mas também se refutam os pontos de vista contrários, o que significa que o texto argumentativo apresenta argumentos e contra-argumentos.

A conclusão corresponde ao fecho do texto argumentativo. Nela, a tese defendida, é retomada, mas agora sob a perspectiva de algo que, à luz dos argumentos apresentados, não é mera hipótese (algo que se pretende demonstrar), mas algo demonstrado como verdadeiro. Como em um teorema matemático, a conclusão corresponderia ao quod erat demonstrandum, expressão latina que significa “como se queria demonstrar”.

Do ponto de vista gramatical, os textos argumentativos devem ser redigidos na norma culta e devem convencer por meio de argumentos válidos e não pela apresentação de opiniões de natureza subjetiva, por isso é um tipo de texto em que se deve buscar a objetividade.

Uma das formas de produzir sentido de objetividade é apagar as marcas linguísticas do enunciador no enunciado, por isso recomenda-se que se evite a 1ª pessoa do singular (eu), optando-se pela redação em 3ª pessoa do singular + pronome se (Considera-se que…), ou 1ª do plural (Consideramos que…).

Quando se nós no lugar de eu, tem-se o chamado plural de autor. Nesse caso, o eu dilui-se no nós, atenuando os efeitos de subjetividade do texto, na medida em que o autor, ao se denominar por nós, não se mostra como indivíduo, mas como integrante de um todo, a comunidade a que pertence.

Os textos argumentativos se caracterizam também por apresentarem operadores argumentativos, pela presença de modalizadores e verbos que introduzem opiniões (afirmar, considerar, distinguir etc.). A ausência de temporalidade é marcada por verbos no presente e no infinitivo. Podem ocorrer outros tempos que têm relação com o presente, normalmente, o pretérito perfeito e o futuro do presente.

O termo operadores argumentativos foi cunhado pelo linguista francês Oswald Ducrot para designar os morfemas da gramática de uma língua cuja função é indicar a força argumentativa dos enunciados. Introduzem variados tipos de argumentos que apontam para determinadas conclusões.

Do ponto de vista gramatical, as palavras que funcionam como operadores argumentativos são os conectivos (notadamente as conjunções), os advérbios e outras palavras que, dependendo do contexto, não se enquadram em nenhuma das dez categorias gramaticais (são classificadas como palavras denotativas: até, inclusive, também, afinal, então, é que, aliás, etc.).

Modalizadores são expressões e categorias linguísticas pelas quais o enunciador exprime uma atitude em relação àquilo que enuncia, por exemplo, se considera o que diz como provável, possível, duvidoso, certo, etc. Uma das formas de modalizar enunciados é a escolha do modo verbal: caso se queira exprimir atitude de certeza, usa-se o indicativo; o subjuntivo exprime atitude de dúvida ou possibilidade e o imperativo, de ordem, de pedido.

Além do modo, o emprego de certos verbos auxiliares modaliza o verbo principal. Quero concordar é diferente de concordo. No primeiro caso, o auxiliar querer modaliza o verbo principal (concordar) exprimindo atitude de desejo. São usados como verbos auxiliares modalizadores, entre outros: querer, dever, poder, saber.

Determinados advérbios também funcionam como modalizadores para exprimir atitudes como certeza ou dúvida. Um enunciado como O governador possivelmente será candidato à reeleição tem sentido diferente de O governador certamente será candidato à reeleição. No primeiro, o advérbio exprime uma atitude de possibilidade. O enunciador não assume como certo o que afirma. No segundo exemplo, a atitude do enunciador frente ao que enuncia é de certeza.

Outra forma de modalizar enunciados é por meio de orações que expressam modalidades. Em geral essas orações funcionam como principal de uma outra chamada subordinada. Essas orações modalizadoras aparecem geralmente sob as seguintes formas: é possível, é provável, é incontestável, é certo. O uso de modalizadores tem o condão de atenuar certas afirmações, o que é muito útil quando não se tem a certeza daquilo que se afirma.


O texto argumentativo e os demais tipos textuais (descritivo, narrativo e expositivo) são estudados em meu livro Práticas de leitura e escrita, publicado pela Editora Saraiva. Mais informações, clique no link abaixo.

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