O tradutor cleptomaníaco

Tempo de leitura: 2 minutos

No artigo, falo do conto “O tradutor cleptomaníaco”, de Dezsö Kosztolányi, publicado no Brasil pela Editora 34 no livro O tradutor cleptomaníaco e outras histórias de Kornél Esti, com tradução de Ladislao Szabo. Os treze contos do livro se amarram em torno do personagem Kornél Esti que, em alguns contos, é também narrador e são marcados por um humor ácido.

“O tradutor cleptomaníaco” narra a história de Gallus, pessoa culta, talentosa que dominava com perfeição várias línguas, mas que tinha um defeito: era cleptomaníaco. Roubava tudo o que lhe aparecia às mãos, desde relógios e chinelos até duto de chaminé. Certa vez, num trem que ia para Viena, roubou a carteira de um comerciante e acabou preso e levado para Budapeste.

Depois de libertado e vivendo em extrema pobreza, procura o narrador para ver se esse pode ajudá-lo. Sabendo que Gallus é um extremo conhecedor de línguas, recomenda-o a um amigo editor para que trabalhe como tradutor. O editor dá a Gallus um volume do livro, escrito em inglês, O misterioso castelo do conde Vitsislav para ser traduzido para o húngaro. Gallus, em duas semanas

O narrador se surpreende quando o editor lhe avisa que a tradução de Gallus era simplesmente imprestável e que, portanto, o tradutor não seria remunerado pelo trabalho feito. Procura então o editor para saber efetivamente o que houve. Lendo a tradução, percebe que ela muito bem escrita, artística, às vezes poética, com frases claras, o que a tornava muito melhor que o original.

Frente a um texto tão bem escrito, pergunta ao editor qual o problema da tradução. O editor então lhe entrega o original inglês para que ele compare com a tradução feita por Gallus. Para surpresa do narrador, este vê que o tradutor simplesmente surrupiava coisas do original. Onde, no original, estava escrito 6 lustres, viram 2 na tradução, as 10.000 coroas que estavam no cofre, na tradução viram 2.000, os diamantes do original são trocados por vidro na tradução. Na tradução, sumiram os relógios de ouro do original. Desapareceram do original brincos, colares e libras esterlinas e por aí vai.

Ao final da confrontação entre original e tradução, o narrador observa que o amigo tradutor “apropriou do original inglês, durante a tradução, ilegal e indecentemente, 1.579.251 libras esterlinas, 177 anéis de ouro, 947 colares de pérola, 181 relógios de bolso, 309 brincos, 435 malas, sem falar das propriedades, florestas e pastos, castelos de príncipes e barões, e outros objetos menores, lenços, palitos de dente, campainhas, cuja listagem seria muito comprida e talvez inútil.”

3 Comentários


  1. Este livro de Kosztolányi é maravilhoso. Foi uma belíssima descoberta a partir de coletânea de contos húngaros publicada pela editora Hedra. Muito bom artigo e ótima lembrança.

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    1. Sim. A Hungria (e o Império austro-húngaro) tem uma literatura de altíssima qualidade. Vale a pena também ler Sandor Marai.

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