ÓCIO E LITERATURA

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Para os antigos gregos, ócio não significava não fazer nada, não se confundia com o atual dolce fare niente. Em grego, a palavra com que hoje denominamos ócio era skolé, que designava uma atitude de paz, contemplativa e criadora, dedicada à teoria, ou seja, à busca do conhecimento. Embora se referisse a uma atitude contemplativa, skolé não deve ser entendida como ausência de atividade, mas como uma atitude voltada à formação não utilitária da pessoa. Tratava-se de um tempo voltado para as atividades não físicas (o estudo, a poesia, a filosofia) e era uma atitude própria dos homens livres e só foi possível graças à escravização das massas, que se dedicavam ao trabalho, que era visto como algo valioso, não porque fosse bom em si, mas porque proporcionava algo bom, o ócio. É essa concepção de ócio que vamos encontrar na base do pensamento de um sociólogo recentemente falecido, Domenico de Masi, em seus estudos sobre o ócio criativo e o trabalho na sociedade contemporânea.   

Na antiga Roma, o ócio (otium) não é mais visto como atitude contemplativa, mas como tempo de diversão e descanso do corpo para que se volte ao trabalho. Cícero destacava que otium (descanso) e nec-otium (ocupação, trabalho) deviam se alternar. É na antiga civilização romana que vamos observar pela primeira vez os chamados ócios de massa, o circo, as comédias, os jogos, os combates entre gladiadores, que representavam uma forma de dominação da plebe, que se via apenas na condição de espectadora. Era a política do panis et circenses como forma de despolitização imposta ao povo.

Essa dupla visão do ócio (a skolé grega e o otium romano) subsiste até hoje, já que para alguns ócio é sinônimo de descanso e para outros, de diversão. Modernamente, no entanto, a sociologia tem ressaltado que ócio não é apenas o tempo destinado ao descanso, mas o tempo voltado para a criação, para o desenvolvimento intelectual, reservando-se o termo lazer para as atividades que visam à recreação ou diversão.

Teóricos há, como o sociólogo francês Joffre Dumazedier (1915 – 2002), que sustentam que o ócio é característico da civilização industrial e que, antes dela, não se pode falar em ócio como tempo que se liberou do trabalho, mas em tempo desocupado.

O ócio apresenta características do tempo psicobiológico e é popularmente confundido com o lazer. É visto também como uma maneira de repor energias, perdidas com o trabalho, ligando-se à ideia de repouso, o que leva muitas pessoas a confundir ócio com ociosidade, por isso a condenação que alguns fazem do ócio, na medida em que vê o ocioso como ladrão, como aquele que rouba o tempo destinado ao trabalho. Essa concepção tem por base as doutrinas de Calvino, para quem o ócio afasta o homem da salvação eterna, porque afastando-o do trabalho, que é produtivo e honroso, ele passa a dedicar-se aos prazeres, que são improdutivos. Em decorrência da concepção calvinista, passa-se a ver a ociosidade como pecado, pois quem se entrega ao ócio se entrega aos vícios, o que se pode notar no dito popular O ócio é o pai de todos os vícios.

A literatura ocidental em diversas obras veicula a ideologia de ócio como vício. Numa obra de cunho pedagógico muito conhecida, As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, em determinado episódio, a Fada aparece para o boneco de madeira e lhe faz um discurso condenando o ócio, afirmando que aqueles que não trabalham acabam quase sempre na prisão ou no hospital e que todos, sejam ricos ou pobres, devem se entregar ao trabalho. São palavras da Fada: “O ócio é uma doença terrível e é preciso curá-la desde a infância; senão, depois de crescido, já não tem cura“.

Em Guerra e Paz, Tolstói inicia a quarta parte do Tomo 2 de seu volumoso romance com um longo discurso em que condena o ócio, que de condição de beatitude do primeiro homem até sua queda, transformou-se em maldição no homem decaído. Para esse autor russo, temos de trabalhar não só porque temos de ganhar o pão com o suor do rosto, mas porque não podemos ficar tranquilos no ócio, pois a ausência de trabalho nos faz sentir culpados. 

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