Penélope, um conto de João do Rio

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Neste artigo, comento o conto Penélope, de João do Rio, que faz parte do livro A mulher e os espelhos. Antes, algumas palavras sobre o autor.

João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, ou simplesmente Paulo Barreto (1881 – 1921), é um autor brasileiro, jornalista, contista, cronista e dramaturgo que alcançou muita popularidade nas primeiras décadas os séculos XX. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e representante do Decadentismo no Brasil. Sua obra recebe influências de Oscar Wilde (1854 -1900), que traduziu suas obras para o português.

João do Rio, em sua obra, retrata a vida urbana de uma cidade que se modernizava e tem por ambientação o bas fond, isto é, a ralé, o submundo, pessoas cujas atividades são consideradas ilícitas ou marginais (prostitutas, homossexuais, malandros).

No conto Penélope, a protagonista é Alda Guimarães, uma mulher belíssima, jovem, rica, séria, que há seis meses enviuvara de um general com o qual se casara quando tinha 20 anos e ele 60. Assim que ficou viúva, começou a ser assediada por rapazes das “melhores” famílias que se propunham como maridos ou amantes. Alda se mostra inflexível a assédios e prefere ficar recolhida em seu palacete, pois a vida em sociedade lhe causava horror, particularmente sem a companhia do marido que era seu protetor. Alda era uma mulher que nunca amara e lhe parecia impossível sentir amor, desejo ou prazer. Confiava na sua invulnerabilidade.

Um dia, indo ao costureiro na rua do Ouvidor, viu na vitrina de uma loja, alguns véus que lhe agradaram e tem vontade de comprar alguns. Entra na loja e, como todas as vendedoras estivessem ocupadas naquele momento, é atendido por um jovem funcionário que estava no fundo da loja.

A aparição do jovem belíssimo é para Alda um acontecimento deslumbrante na medida em que funciona como uma fratura em seu modo de viver até então. As relações cotidianas, marcadas pela segurança, vêm abaixo. A vida passa ter um novo significado. Sente-se atraída pelo rapaz, quer tocá-lo, mas tem medo e foge da loja. Volta para seu palacete mas não consegue jantar e dormir. Sente que está uma loucura, sobretudo porque há entre ela e rapaz uma diferença social enorme: ela riquíssima e ele um simples funcionário de loja.

Volta à loja no dia seguinte e procura pelo rapaz, que mal se lembra dela, e pede para ver os véus. Solicita a ele que leve pessoalmente os véus que escolheu na casa dela. Dispensa os empregados naquele dia para ficar só com seu desejo.

O rapaz vai à casa da generala entregar os véus e ela nota como ele era diferente dos indivíduos da sociedade que “vinca tanto as criaturas na mesma dobra”. Conversa com o ele com desembaraço com o tom de quem trata com um inferior. Ele, graças a seu ofício, respondia com desenvoltura. Se ela estivesse diante de um cavalheiro, já teria passado à declaração. Se ele estivesse diante de qualquer mulher, não indagaria nada. Ele não ousando, ela não querendo ousar para não parecer mal.

Ela pega os véus, mexe com eles como se fosse uma dança em que ela encarna Salomé.  O instinto aproximava-os para a maior das igualdades e a boca do jovem caixeiro sorveu a dela como se sedenta chupasse um fruto cheio de sumo e despejou-a no divã em súbita fúria.

“Um imenso, delicioso, doloroso acorde de prazer – o prazer que nenhum dos dois sonhara – sacudiu as almofadas do divã”. O conto prossegue, mas não adianto o final.

O que neste conto chama a atenção é a ruptura que ocorre com Alda Guimarães decorrente de um acontecimento: a aparição não programada do jovem e belo caixeiro. Esse acontecimento deslumbrante e inesperado põe abaixo uma rotina marcada por interações que lhe davam a sensação de segurança, de uma vida sem riscos, sob a qual se escondia uma carência. Digo carência porque faltava a Alda algo que ela não sabia o que era. A fratura provocada faz com que o tempo pare por instantes para ela, levando-a  a encontrar um novo sentido para a vida, agora um sentido que diz respeito à essência e não à aparência. Uma conduta que era regulada pelos padrões sociais, programada, sem riscos é posta abaixo.  Um novo regime de interação marcado pela não-padronização, pelo inesperado, pelo risco sobrevém. Notem que os papéis se invertem: ela linda, rica, era objeto de desejo. Agora se transforma num corpo desejante. Não é o rapaz que a seduz, é seduzido por Alda.

O conto afirma a prevalência das pulsões individuais sobre às coerções sociais.

A mulher e os espelhos
João do Rio (1881 – 1921)

Sobre este conto, publiquei um artigo na revista Acta Semiotica et Lingvistica, da UFPB. O artigo analisa os regimes de interações no conto e pode ser lido clicando no link abaixo.

https://periodicos.ufpb.br/index.php/actas/article/view/57743/33308

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