Preferencial mas não exclusivo

Tempo de leitura: 4 minutos

No texto de hoje falo sobre os adjetivos preferencial e exclusivo e aproveito para fazer uma pequena crônica. Para não perder o costume, recorro à etimologia. Por quê? Embora o sentido das palavras se altere com o uso, sempre fica alguma coisa. Recorrer a etimologia é como buscar o DNA da palavra. Mas antes recorro ao Houaiss. Está lá.

Preferencial (adjetivo): que tem preferência.

Preferência (substantivo feminino): ação ou fato de preferir, prioridade, possibilidade de passar na frente dos outros.

Preferir (verbo): escolher (pessoa ou coisa) entre outra(s).

Exclusivo (adjetivo): que exclui, que elimina.

Excluir (verbo): pôr de lado, afastar, separar.

Vamos agora, leitor, dar um breve passeio pela etimologia, ramo dos estudos linguísticos que trata da origem e da evolução das palavras. Já já retorno aos dias de hoje, lembrando que o sentido que a palavra tinha em sua origem pode não corresponder ao sentido que tem hoje, pois afinal a língua está constante mudança.

Excluir provém do verbo latino excludere, cujo sentido é ‘não deixar entrar’, ‘expulsar’.

Em preferencial, temos o prefixo pre– (do latim, prae-) que significa anterioridade, antecipação. Esse prefixo aparece em palavras como pressupor, preconceito, predizer etc.

Em exclusivo, temos o prefixo ex– que significa movimento para fora. Esse prefixo aparece em palavras como expulsar, excluir, exumar.

Tudo bem que exumar é um verbo pesado. É transitivo, isto é, pede um complemento, que nesse caso é um cadáver. Exumar é tirar o cadáver da terra. Sua origem é exhumare. Verbo que ligado ao substantivo humus, que quer dizer terra. Exhumare: tirar da terra. Esse humus é o mesmo que aparece em humilhar, cujo sentido original era abaixar-se, portanto descer  à terra. Humilde é aquele que está lá embaixo, bem junto à terra.

Vocês poderiam me perguntar de onde me vieram essas reflexões de cérebro enfermo que quer simplesmente mostrar que preferencial e exclusivo não são a mesma coisa. Eu vos responderei: da fila do caixa do supermercado, ao presenciar pessoas nada humildes (ops! outra vez o radical humus) se digladiando pelo direito de expulsar o outro sem direito a exumação para poder pagar primeiro.

Se uma placa em algum estabelecimento diz que o caixa ou o guichê  é preferencial, o que se informa é que algumas pessoas (idosos, gestantes, pessoas com crianças de colo, portadores de deficiências) têm preferência no atendimento, ou seja, atendimento prioritário. Isso significa que essas pessoas devem ser atendidas antes (por isso o prefixo pre-) que aquelas que não são enquadradas como preferenciais. Essas podem usar normalmente o caixa ou o guichê, desde que obedeçam à regra da preferência. Se não houver ninguém para ser atendido, podem usar normalmente o caixa ou o guichê, porque não há exclusividade, na medida em que não se exclui quem quer que seja.

Preferencial exclusivo

Quando a informação é que o caixa ou guichê é exclusivo ( e assim como no caso do atendimento preferencial, tem-se de informar quem se enquadra ou não se enquadra como exclusivo), pessoas não se enquadram como “exclusivas” não podem usar aquele caixa ou guichê. É o que ocorre quando no caixa de um banco, por exemplo, se informa que aquele caixa se destina exclusivamente a correntistas do banco, ou ainda correntistas especiais (os chamados clientes premium). Nesses casos, os clientes “comuns” ficam fora do atendimento.

É importante ressaltar que a separação do público em preferenciais e exclusivos é de natureza diferente. O atendimento preferencial é determinado por lei, ou seja, não se trata de bondade ou cortesia do estabelecimento. Trata-se de uma obrigação do estabelecimento e de um direito daqueles que se enquadram na situação descrita na lei.

O atendimento exclusivo é de ordem privada, ou seja, o estabelecimento que usa esse procedimento está, de certa forma, premiando clientes a partir de critérios que ele próprio determina, tais como saldo em conta, movimentação financeira, aplicações etc. Não deixa de ser uma forma de discriminação que reproduz aquilo que se vê na sociedade, em que ricos e pobres são separados.

Um bom lugar para se observar esse tipo de segregação baseada na situação financeira das pessoas é o embarque em aeroportos. Clientes vips (os portadores dos cartões platinum gold super master star) têm um guichê exclusivo para o atendimento (só para eles, portanto); os não exclusivos (os humildes) tem de sujeitar a enormes filas. Os VIPS embarcam primeiro do que os não VIPS, exceto se o não-VIP tenha direito a atendimento prioritário, mas isso somente porque a lei obriga. Caso contrário, o idoso iria lá pro final da fila.

Para encerrar, esclareço que estou cansado de presenciar atitudes de pseudocidadãos que desrespeitam a lei e, não tendo a preferência, ocupam descaradamente o lugar de quem, a rigor, teria a preferência. Basta pegar o ônibus cheio para conferir.

Tudo bem, ao fim e ao cabo, os VIPS e os humildes, agora separados nas filas, se encontrarão lá embaixo na terra e, como vimos na crônica, a terra é húmus, componente orgânico do solo, resultante da decomposição de material vegetal e animal. Lá todos são humildes.

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2 Comentários


  1. Professor Hernani, a Srª Maheli Jizar Lavander, faleceu dia 02/set./2018,

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    1. Que tristeza! Não estava sabendo. Fui minha colega na FFLCH nos anos 70 e a revi há dois anos num lançamento de meu livro. Deixo aqui os meus pêsames a todos os familiares.

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