Signo linguístico

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Saussure é considerado o fundador da linguística moderna. Seu livro Curso de linguística geral, publicado postumamente em 1916 (Saussure morreu em 1913) por seus discípulos, com base em apontamentos de aulas, traz conceitos fundamentais para a compreensão da linguagem humana e exerce até hoje profunda influência não só nos estudos linguísticos, mas também em outras áreas do conhecimento. As ideias de Saussure estão presentes nas obras de pensadores como Louis Hjelmslev, Émile Benveniste, Roland Barthes, Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Algirdas Julien Greimas e também em correntes de pensamento como o estruturalismo e a semiótica de linha francesa. Conceitos como diacronia e sincronia, língua e fala, sintagma e paradigma e natureza do signo linguístico estão abordados no Curso.

Para Saussure, a linguística é uma parte de uma ciência voltada para o estudo dos signos na vida social, a que ele denominou semiologia e que hoje é também conhecida pelo nome de semiótica. Neste artigo, vou me ater apenas no conceito de signo linguístico.

Conforme expus em outra obra (Terra, 2015), em linhas gerais, considera-se signo alguma coisa que representa algo para alguém. Quando vemos, nos tribunais, uma balança, prontamente a associamos à noção de justiça, de igualdade; quando vemos, numa igreja, uma cruz, nós a associamos à ideia de cristianismo. Diz-se que, nesses casos, balança e cruz são símbolos, pois são objetos materiais (não linguísticos) que representam ideias abstratas. Os símbolos nem sempre exprimem adequadamente aquilo que simbolizam, pois temos uma representação metonímica da coisa, uma vez que ele é uma parte do todo, que é o conteúdo abstrato. O conceito de justiça é muito mais amplo do que a balança, que representa apenas um de seus atributos: a equidade.

No dia a dia, somos cercados por imagens que representam coisas. Na porta de banheiros, há imagens que indicam se ele é destinado a homens, mulheres ou deficientes. Nas embalagens de produtos, uma imagem indica se o material é reciclável. Quando trabalhamos com o computador, imagens representam as diversas ações que podemos executar, como salvar, abrir, imprimir, recortar, colar e localizar. Essas imagens são signos artificiais, que o filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce denominou ícones (do grego eikón, “imagem”). Nos ícones, que são uma espécie de signo criado pelos homens com a finalidade de estabelecer comunicação, ocorre uma relação necessária entre a imagem e o conceito que ela representa, razão pela qual têm sido largamente utilizados como uma forma de linguagem universal. Não importa onde se esteja e que língua se fale, ao nos deparar com os ícones afixados na porta de banheiros, sabemos qual é o masculino, qual é o feminino e qual é o destinado a pessoas portadoras de deficiências.

A popularização dos computadores pessoais deveu-se muito à utilização de ícones, dado o caráter intuitivo destes. Antes, era necessário que se digitassem comandos, o que obrigava o usuário a memorizar uma série deles para realizar as funções pretendidas. Crianças, antes mesmo de saberem ler e escrever, conseguem usar um computador porque basta clicar ou tocar num ícone para que a função que elas pretendem executar esteja disponível.

Os ícones têm sido usados pelas pessoas não só para acessar aplicativos, mas também para a própria comunicação digital. É cada vez mais comum as mensagens verbais na rede virem acompanhadas por ícones (os emojis). Em computadores, tablets e smathphones, esses ícones estão à disposição do usuário para serem usados em suas postagens, comentários e mensagens. O usuário pode dizer como está se sentindo (triste, feliz, cansado…) e o que está fazendo (lendo, jogando, ouvindo, assistindo…), bastando, para isso, clicar no ícone correspondente.

O signo linguístico

Saussure conceitua o signo linguístico como uma entidade de duas faces, que une de maneira arbitrária um significante a um significado, como ilustrado na figura abaixo.

Por significado entende-se o conceito, isto é, a ideia, a imagem psíquica da coisa. Por significante entende-se a realização material desse conceito, ou seja, a sua concretização por meio de fonemas, ou de alguma coisa que os representem, como as letras do alfabeto. O significante é a parte perceptível, enquanto o significado é a parte inteligível do signo.

É importante notar que o significado não é a coisa (no caso, o animal mamífero felino macho) que existe na realidade, mas a ideia que temos desse animal em nossa mente. A coisa em si, como existe no mundo natural, é chamada de referente, que não é linguístico. Em outros termos, o signo não é a coisa, mas a representa. O signo cachorro não late nem morde. O signo gato não mia e se aplica a cachorros que ainda não nasceram.

O significante não é propriamente o som material que ouvimos (que pode estar representado por meio de letras), mas a impressão psíquica que fica em nossa mente desse som. É, portanto, uma imagem sensorial. Isso pode ser comprovado quando observamos que, quando falam consigo mesmas, as pessoas o fazem sem emitir qualquer som, como afirma o próprio Saussure (1972, p. 80):

O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato.

O significante tem um caráter linear, isto é, ele se desenvolve no tempo, no eixo sintagmático. A sequência dos fonemas é percebida numa cadeia: um fonema sucede o outro e dois fonemas não podem ocupar o mesmo lugar na cadeia. Isso é muito visível quando os fonemas estão representados por letras: uma letra sucede a outra e duas letras não ocupam o mesmo lugar na linha em que está disposta a palavra.

É importante assinalar que existe entre significante e significado uma correspondência íntima. Estão de tal maneira vinculados que um necessariamente implica o outro. Quando percebemos sensorialmente o significante g-a-t-o, imediatamente o associamos àquele animal felino macho ou, ainda, quando o conceito desse animal nos vem à mente, prontamente o associamos àquele significante.

Quando afirmei que a relação existente entre significado e significante é arbitrária, quis ressaltar que ela é imotivada, isto é, não existe no conceito nada que o leve a ser denominado pela sequência dos fonemas /g//a//t//o/. O caráter arbitrário do signo linguístico pode ser comprovado pelas diferenças entre as línguas. Se existisse alguma motivação para unir o significado ao significante, o mesmo conceito (significado) seria representado pelo mesmo significante em todas as línguas, o que, como se sabe, não ocorre. O conceito que temos desse animal é representado pelos significantes cat, chat, gatto, katze, em inglês, francês, italiano e alemão, respectivamente. Explicando o caráter arbitrário do signo linguístico, assim se pronuncia Saussure (1972, p. 81-82):

Assim, a ideia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra sequência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes […].

Na realidade, a relação arbitrária é entre significante e referente (a coisa extralinguística) e não entre significado e significante. Não há nada no objeto mesa que o leve a ser chamado de mesa; mas, na medida em que se convencionou chamar de mesa àquele objeto, criou-se entre significado e significante um laço não arbitrário, mas necessário. Benveniste (1995, p. 55) afirma que

Entre significante e significado, o laço não é arbitrário; pelo contrário, é necessário. O conceito (“significado”) “boi” é forçosamente idêntico na minha consciência ao conjunto fônico (“significante”) boi. Como poderia ser diferente? Juntos os dois foram impressos no meu espírito; juntos evocam-se mutuamente em qualquer circunstância. Há entre os dois uma simbiose tão estreita que o conceito “boi” é como a alma acústica boi. O espírito não contém formas vazias, conceitos não nomeados.

Na mesma linha, Orecchioni (1999) assinala que os signos são necessários e ao mesmo tempo arbitrários e que, embora não haja nenhuma razão natural para chamar um boi de boi, os usuários da língua aceitam jogar o jogo da denominação. Por isso é melhor dizer que o signo linguístico é imotivado em vez de arbitrário, uma vez que a palavra arbitrário (o próprio Saussure reconhece isso) poderia dar a ideia de que o significado depende da livre escolha dos falantes e que estes podem alterar signos já estabelecidos em uma comunidade linguística.

Outro linguista, o dinamarquês Louis Hjelmslev, seguindo a tradição saussuriana, amplia a noção de signo, ao afirmar que este exerce uma função semiótica, resultante de uma interdependência de dois planos: o plano da expressão (o significante, na terminologia de Saussure) e o plano do conteúdo (o significado, para Saussure). Sobre a função semiótica, vale reproduzir as palavras de Hjelmeslev (2009, p. 54):

A função semiótica é, em si mesma, uma solidariedade: expressão e conteúdo são solidários e um pressupõe necessariamente o outro. Uma expressão só é expressão porque é expressão de um conteúdo, e um conteúdo só é conteúdo de uma expressão. Do mesmo modo, é impossível existir (a menos que sejam isolados artificialmente) um conteúdo sem expressão e uma expressão sem conteúdo.

Adianto que as ideias de Hjelmeslev não são simples e que não é objeto deste artigo discuti-las aqui. Por ora, basta que se saiba que o signo mantém dois planos solidários: uma expressão e um conteúdo, noções que nos ajudam a entender a constituição dos textos.

Este assunto é tratado em nosso livro Linguagem, língua e fala, publicado pela Editora Saraiva. Para mais informações, clique no link abaixo.

REFERÊNCIAS

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. 4a. ed. Campinas, SP: Pontes/Editora da UNICAMP, 1995.

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2009.

ORECCHIONINI, Catherine Kerbrat. L’Énonciation: de la subjectivité dans le langage. Paris: Armand Colin, 2006.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 4a. ed. São Paulo: Cultrix, 1972.

TERRA, Ernani. A produção literária em tempos de tecnologia digital. Curitiba: InterSaberes, 2015.


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