A vida invisível de Eurídice Gusmão

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A notícia de que o filme A vida invisível de Eurídice Gusmão, dirigido por Karim Aïnouz, venceu este ano a mostra “Um certo olhar”, competição paralela ao Festival de Cannes, me fez lembrar o livro de Martha Batalha, no qual o filme se baseia. Enquanto o filme não chega por aqui, sugiro que leiam o livro.

A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha, Companhia das Letras, 2016, 188 p., é uma das melhores coisas que se publicaram no Brasil nos últimos tempos. Um bom romance tem de contar uma boa história e Martha Batalha consegue isso. A vida invisível de Eurídice Gusmão é um daqueles livros que se começam ler e não se consegue parar.

A narrativa acompanha a protagonista desde a sua infância, mas não linearmente. O romance é marcado por constantes anacronias e o leitor segue as personagens, especialmente Eurídice e sua irmã, Guida, na infância e na idade adulta.

Irmãs super-apegadas na infância, de repente se veem separadas, quando Guida resolve fugir para casar com Marcos, um pusilânime estudante de Medicina de classe social mais elevada que Guida. Não há como se emocionar com a narrativa de Guida à sua irmã quando se reencontram muitos anos depois.

Acompanhar Eurídice é acompanhar a vida de uma família pobre no Rio de Janeiro na primeira metade do século passado, com seus sonhos e preconceitos. O livro nos dá um retrato muito bom dessa sociedade, de seus costumes, de seu machismo, dos imigrantes, da família, da mulher que tinha de casar virgem, da prostituta solidária que se torna babá, do comerciante dono de papelaria que “dividia seu tempo entre vender papéis e descansar de vender papéis”. As ancoragens na realidade fazem com que o romance lembre uma crônica de costumes.

Teria muito o que falar do livro; mas, para não me alongar, chamo a atenção a uma coisa que me envolveu muito na leitura: o humor de Martha Batalha. Humor fino, inteligente, revelador, que Martha consegue por meio de recursos de linguagem extremamente originais, que rompem a expectativa do leitor.

A personagem Zélia, vizinha da família da protagonista, uma fofoqueira contumaz, cujas ambições do marido “transitariam entre o nulo e o irrelevante”, é impagável. Sobre o marido da fofoqueira, Plínio, diz o narrador: “Sentado em seu cantinho Plínio não respondia [às reclamações da mulher]. Foi acometido deste mal que ataca tantos homens, que é o voto de silêncio depois de alguns anos de casamento. Inclusive depois das bodas de cobre o número de sílabas que soltou foi menor que o de arrotos”.
Não espere o filme chegar, leia antes o livro. Dou fé.

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