Catão, o coach

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Este post difere dos demais que tenho publicado no blogue. Preferi abordar um assunto relativo à língua a partir de uma crônica cuja inspiração surgiu de uma conversa a bordo de um voo de São Paulo para Salvador. A palavra de que trato é, como outras tantas que circulam por aí, uma importação do inglês. Se ela soa como novidade entre nós, o que ela significa é algo bastante antigo, por isso acabo citando na crônica dois coachs famosos. Segue a crônica. Espero que gostem.

Catão, o coach

Três da tarde embarco num voo que me levará de São Paulo a Salvador. Já estou acomodado, quando senta na poltrona ao meu lado uma bela jovem que, certamente, já passou dos 25 mas que ainda não chegou aos 30. Depois de me cumprimentar, ela me pergunta se vou a Salvador a trabalho. Respondo que sim, que vou participar de um seminário. Ao que ela me diz:

– Então o senhor também é coach?

Pelo “também” descubro o que a jovem faz. Já que a conversa começou, resolvo deixar de lado o livro que pretendia ler durante o voo e aproveito para tirar uma dúvida que me angustia há algum tempo e dou prosseguimento ao colóquio, perguntando:

– O que faz uma coach?

Ela de pronto responde:

– A gente faz coaching, sabe, aconselhamento, né. Uma coach aconselha pessoas.

O turno de fala agora é meu:

– Vocês dão bons ou maus conselhos?

– Bons, é claro.

Fico refletindo que ser coach deve ser uma ocupação antiquíssima (menos que aquela outra, é claro), pois me lembro de Catão, o velho, que muito antes de Cristo, já era célebre por seus conselhos e chegou a ser chamado de sábio, embora ele gostasse mesmo de trabalhar de censor, profissão aliás que está de volta por aqui e que com certeza vai gerar muitos empregos. Reflito também que coach deve ser também uma ocupação muito perigosa, pois um tal de Antônio Vicente andou no século XIX pelo sertão da Bahia dando conselhos e o governo não gostou muito e mandou o exército pra lá matar todo mundo. Se não bastasse, ainda cortaram a cabeça do tal Conselheiro. Fiquei sabendo disso por um tal de Euclides.

Saio de minhas elocubrações e pergunto à jovem se Catão é o patrono dos coachs. Ela me diz que nunca tinha ouvido falar desse tal de Catão e que nem sabia que ele era coach. E me pergunta na lata que conselhos ele dava para seus clientes.

Digo a ela que Catão combateu na segunda Guerra Púnica e dizem que foi ele quem deu um conselho que ficou famoso: Delenda Carthago est, e traduzo o latinório pra ela, dizendo que a frase significa ‘Cartago deve ser destruída’. Digo ainda que, como sou um sujeito pacífico, o conselho de Catão de que mais gosto não é esse, mas aquele em que ele diz que os sábios se aproveitam dos tolos mais do que os tolos se aproveitam dos sábios, uma vez que os sábios evitam os erros dos tolos, enquanto os tolos não imitam a prudência dos sábios.

Ela, com olhar espantado, me diz:

– Taí, daquele coach que andou pela Bahia, não gostei não, mas A-DO-REI o conselho desse tal de Catão. Acho que vou seguir ele.

Vendo que era hora de terminar a conversa, digo a ela:

– Siga sim.

Reclino a poltrona e resolvo ler o livro que me propusera ler.

Duas horas e meia depois o avião pousa em Salvador, nos despedimos e cada qual foi pro seu lado (não sei se o destino dela era Canudos), sei que fiquei encafifado e me vi perguntando a mim mesmo: Será que ela encontrou algum Catão pra seguir no Facebook?


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