Concordância

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Quando se ensina concordância na escola, explica-se uma regra geral para a verbal e outra para nominal. Para a primeira, afirma-se que o verbo concorda com o sujeito em pessoa e número; para a segunda, que o adjetivo concorda com o substantivo em gênero e número. Quando se dá a regra geral, estamos explicitamos algo que a maioria dos alunos já sabe intuitivamente.

Os problemas de concordância começam a aparecer quando entramos nos chamados casos particulares, aqueles que não se enquadram na regra geral (isso não é bem verdade, mas vá lá). Como são inúmeros, e cada caso é um caso, é comum que os alunos (e os professores também) fiquem em dúvida se a concordância que estão fazendo é ou não prescrita pela gramática normativa. Ressalto ainda que, em muitos desses casos particulares, há duas opções de concordância. Alguns dizem – inapropriadamente – que a concordância é facultativa. Não são poucos esses casos.

Quando se explica a concordância de coletivos, diz-se que o verbo fica no singular. Não é bem assim: fica no singular se o coletivo estiver no singular: A multidão gritava. Se estiver no plural, o verbo vai para o plural, conforme a regra: As multidões gritavam. Isso está dentro da regra geral.: o verbo concorda com a palavra que funciona como núcleo do sujeito.

O caso particular está, na verdade, quando se tem um coletivo singular seguido de adjunto no plural. Dizem que a concordância é facultativa, que se pode concordar com o coletivo singular, que é o núcleo do sujeito (isso está dentro da regra geral), ou com o adjunto plural: A multidão de torcedores gritava ou A multidão de torcedores gritavam. Dizem: tanto faz o singular ou plural. Não é verdade. Se existem as duas opções, é porque os sentidos são diferentes, portanto não é tanto faz. Escolhe-se o singular ou plural em razão do sentido pretendido. Com o singular, destacamos o todo, a unidade; com o plural, realçamos os componentes do todo, os indivíduos.

Outro caso é o do sujeito formado por um indefinido plural (quais, muitos, poucos, etc.) seguido de um dos pronomes pessoais nós ou vós. É comum se dizer que tanto faz o verbo concordar com o indefinido plural, conforme a regra geral, pois esse é o núcleo do do sujeito, ou com o pronome pessoal: Muitos de nós apoiaram a greve ou Muitos de nós apoiamos a greve. Existem as duas opções, isso é fato, mas produzem sentidos diferentes . Então não é tanto faz. A opção por uma ou outra construção está ligada ao sentido pretendido (e percebido, é claro). Ao optar pela construção Muitos de nós apoiamos a greve, o enunciador deixa claro para o enunciatário que se inclui no grupo dos que apoiam a greve, o que não aconteceria se optasse pela construção Muitos de nós apoiam a greve. Nesse caso, o enunciador não pertence necessariamente ao grupo daqueles que apoiam a greve. A opção entre uma construção ou outra indicaria o comprometimento do falante com a greve.

Outro caso particular que se apresenta ao aluno é o da concordância dos relativos que e quem. Aí não há propriamente opção de concordância. Com o pronome relativo que a concordância deve se feita com o antecedente do relativo: Fomos nós que apoiamos. Com o relativo quem, deve-se deve-se deixar o verbo na terceira do singular concordando com o relativo: Fomos nós quem apoiou. Alguns admitem a concordância com antecedente também, particularmente na língua popular: Fomos nós quem apoiamos.

Nesse caso, a opção não está na concordância, mas em se usar quem ou que, já que o relativo que também pode ser usado em relação a pessoas: Fui eu que falei ou Fui eu quem falou. A questão é, portanto, escolher entre quem ou que, com implicações na concordância e no sentido, é claro.

A melhor explicação para a diferença de sentido entre a construção com o que e o quem não encontrei nas gramáticas, mas num livro de Clarice Lispector, O Lustre, em que a autora explicita com todas as letras a diferença de sentido. Diz Clarice nessa obra:

“O que a enriquecia era obscuramente saber que dizendo: ‘fui eu quem fez’ em lugar de ‘fui eu que fiz’ impedia-se a intimidade, ganhava-se um certo modo calmo de ser olhada.”

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