Estilo 2

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No post anterior, comecei a tratar de estilo e afirmei que dividiria o assunto em dois artigos consecutivos. No anterior, fiz uma rápida introdução ao tema e tratei dos efeitos estilísticos dos deslocamentos. Para acessá-lo, clique aqui. Neste, continuo o assunto tratando agora de vozes verbais e do paralelismo sintático e suas implicações no estilo.

Vozes verbais

Outra forma de enfatizar um termo está ligada à opção pela voz ativa ou voz passiva. Relembrando. Diz-se que há voz ativa quando o sujeito gramatical pratica a ação expressa pelo verbo. Haverá voz passiva quando o sujeito recebe (ou sofre) a ação expressa pelo verbo. Em suma: sujeito agente, voz ativa; sujeito paciente, voz passiva.

Essa definição, que aprendemos na escola, pode não funcionar em alguns casos, pois leva em conta apenas o critério semântico na relação sujeito / verbo (praticar ou sofrer a ação; agente ou paciente).

Numa frase como O menino levou uma surra, embora o sujeito (o menino) sofra a ação, temos voz ativa, porque levou é uma forma verbal de voz ativa. Melhor seria dizer que uma oração está na voz passiva quando a forma verbal for uma forma passiva, normalmente verbo auxiliar (em geral, o verbo ser) seguido de particípio: foi comprado, é registrado, será dicutido etc.

A opção por usar uma construção de voz ativa ou passiva está relacionada ao elemento que se quer destacar. Esse termo, como vimos no post anterior, será colocado como sujeito da frase.

Relembro um acontecimento que ainda deve estar na memória de muita gente. Na Copa do Mundo de futebol realizada no Brasil em 2014, o jogador colombiano Zuñiga, atingiu com uma joelhada o jogador Neymar, o mais importante do Brasil e esperança do brasileiros para a conquista do torneio. Em decorrência da entrada dura do colombiano, o atleta brasileiro ficou fora da Copa.

Se você fosse jornalista de um jornal brasileiro na época, qual das manchetes abaixo você escolheria para informar esse fato aos leitores?

Zuñiga atinge Neymar com uma joelhada.  
Neymar é atingido por Zuñiga com uma joelhada.

Evidentemente, optaria pela segunda, porque pretenderia que a atenção recaísse sobre o atleta brasileiro. O agente da ação, Zuñiga, poderia até ser omitido:

Neymar é atingido com uma joelhada.

Observe estas outras frases.

Receita libera mais um lote de restituição do imposto de renda.  
Mais um lote de restituição do imposto de renda é liberado pela Receita.

A primeira, uma oração de voz ativa (forma verbal ativa: libera), enfatiza o órgão que libera a restituição; a segunda, uma construção passiva (forma verbal passiva: é liberado), enfatiza o que foi liberado. Quando se opta pela construção passiva, pode-se omitir o agente como em

Mais um lote de restituição do imposto de renda é liberado.

Nesse caso, omitiu-se o “pela Receita” porque o enunciador pressupôs que o enunciatário poderia inferir, sem qualquer esforço cognitivo, quem foi o agente da liberação.

Pode-se também optar por construções passivas com a forma verbal iniciando a frase. Nesse caso, não se destaca o agente nem o paciente, mas no próprio processo verbal, como nos exemplos a seguir.:

É liberado pela Receita mais um lote de restituição do imposto de renda.   Foram indeferidos alguns pedidos.

Paralelismo sintático

Diz-se que há paralelismo quando há relação de semelhança entre duas coisas ou duas ideias. O paralelismo sintático decorre de semelhanças entre frases de mesma estrutura gramatical. Atente bem: estou falando de  paralelismo sintático, ou seja, de regras de construção de frases. Isso significa que as palavras das estruturas paralelas não precisam ser necessariamente as mesmas e, no caso de serem as mesmas, devem estar combinadas de maneiras diferentes.

Se duas frases apresentam as mesmas palavras, combinadas da mesma maneira e na mesma ordem, não há paralelismo, pois se trata de uma mesma frase. Como há simetria de estrutura sintática, as frases paralelas costumam apresentar a mesma extensão.  Observe o exemplo que segue:

Duas mulheres, dois mundos. Teresa, santa, deu-se aos pobres. Diana, pecadora, entregou-se aos ricos. (Josias de Souza)

Há três frases, sendo a primeira sem verbo. As duas outras estão organizadas em torno de verbos e apresentam a mesma estrutura sintática, que é a seguinte:

núcleo nominal + adjetivo + verbo reflexivo + complemento verbal introduzido pela preposição a.

Essa mesma estrutura é preenchida por palavras diferentes. Pode-se então afirmar que entre as frases 2 e 3, há paralelismo sintático.

Veja mais um exemplo, extraído do Sermão de Quarta-feira de Cinzas, do padre Antônio Vieira (1608-1697). Se quiser ler o sermão na íntegra, clique aqui.

Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído; os vivos pó que anda, os mortos pó que jaz.

Há uma única frase (um período composto) formado por quatro orações que apresentam simetria. Ocorre, portanto, paralelismo sintático. No entanto, há uma pequena diferença entre as orações desse período. Nas duas primeiras, o verbo de ligação (são) está explícito; nas duas últimas, subentendido. Nas duas primeiras, o substantivo é qualificado por adjetivo (levantado e caído); nas duas últimas, é qualificado por orações com função adjetiva (que anda e que jaz).

Como se pode notar, as quatro orações formam dois blocos de estruturas paralelas, separadas pelo ponto e vírgula que podem assim ser representadas:

Bloco 1: sujeito + verbo de ligação + predicativo formado de substantivo + adjetivo   Bloco 2: sujeito + (verbo de ligação implícito) + predicativo formado de substantivo + oração adjetiva

O uso do paralelismo sintático confere expressividade à frase. O valor argumentativo dela decorre do uso do paralelismo somado ao emprego de palavras que se opõem pelo sentido, constituindo uma figura de linguagem denominada antítese.

vivos × mortos; levantado × caído; anda × jaz

Há um tipo de paralelismo sintático em que a estrutura sintática é repetida de forma cruzada, como no célebre poema de Drummond.

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho.

Esse tipo de paralelismo cruzado recebe o nome de quiasmo, palavra que vem do grego, khiasmós, ação de dispor em cruz, em forma da letra grega khi (X).

Há alguns anos uma propaganda de biscoito fez muito sucesso e muito desse sucesso se deveu ao fato de ela se valer de um quiasmo. Na peça publicitária, um narrador fazia a seguinte pergunta:

Tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?

A repetição cruzada de é fresquinho porque vende mais / vende mais porque é fresquinho tem um efeito persuasivo importante, na medida em que instaura um círculo vicioso. Não há, portanto, resposta para essa pergunta, de sorte que ambos os predicados atribuídos ao biscoito passam a ser tomados como verdadeiros.

Se o paralelismo sintático contribui para a expressividade, a quebra do paralelismo atua em sentido contrário, na medida em que, não estabelecendo um vínculo sintático onde deveria haver, quebra-se a coesão.

Certas construções sintáticas se caracterizam por apresentarem pares correlativos de que são exemplos:

  • não sómas também; não somentemas ainda, que aparecem em frases com orações aditivas;
  • tantoque, tãoque, ; presentes em frases em que a segunda oração é consecutiva;
  • quanto maismais (ou menos), quanto menosmenos (ou mais), presentes em orações que indicam proporção;
  • oraora, querquer, sejaseja, que aparecem em orações alternativas.

Se, num texto, você usa o primeiro elemento de um par correlativo, a expectativa é que o segundo apareça. Se não aparecer, houve quebra de coesão. Num texto, se em algum momento se diz “por um lado”, espera-se que adiante vá dizer “por outro (lado)”. Se não disser, quebrou o paralelismo, redundando quebra de coesão.   

Encerrando o artigo, chamo a atenção para o fato de que, quando se coordenam duas orações (ou palavras), elas devem pertencer à mesma categoria. Assim, haverá quebra de paralelismo sintático quando se coordenam orações de natureza diferente.

Numa frase como Funcionários cogitam uma nova greve e isolar o governador, há ausência de paralelismo sintático uma vez que se coordenam termos de classes gramaticais diferentes (greve – substantivo e isolar – verbo).

Uma construção paralela exigiria que se coordenassem termos simétricos, isto é, pertencentes a uma mesma classe de palavras; portanto, para que houvesse paralelismo, a redação deveria ser Funcionários cogitam nova greve e isolamento do governador (substantivos coordenados) ou Funcionários cogitam realizar nova greve e isolar o governador (dois verbos coordenados).

Veja outro exemplo de ausência de paralelismo sintático:

Não viajei nas férias por estar doente e porque não tinha dinheiro.

Nele, coordenam-se duas orações que exprimem causa. A primeira apresenta-se sob a forma de oração reduzida (por estar doente); a segunda, sob a forma de oração desenvolvida (porque não tinha dinheiro). Para estabelecer a simetria, bastaria redigir a frase de forma que as duas orações causais coordenadas entre si apresentassem a mesma estrutura gramatical (ambas reduzidas ou ambas desenvolvidas). Assim:

Não viajei nas férias por estar doente e por não ter dinheiro.

ou

Não viajei nas férias porque estava doente e porque não tinha dinheiro.

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