Frase 1: conceitos básicos

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No post apresento alguns subsídios para o trabalho com o conceito de frase. Para tanto, recupero alguns conceitos essenciais para, a partir deles, sugerir outras abordagens ao tema. Como o assunto é extenso, vou desmembrá-lo em dois posts. Neste, como assinalei, recupero conceitos básicos. No próximo, tratarei do tema frase e sentido, atitudes do falante, comprometimento do falante com o dito e sentidos implícitos.

Revisitando conceitos

No ato de comunicação, dirigimo-nos a um interlocutor movidos pelos mais variados propósitos. Fazemos uso da língua para perguntar, responder, informar, cumprimentar, agradecer, pedir, reclamar, elogiar, acusar, criticar, desculpar-se… Cada vez que nos valemos da língua para com um propósito comunicativo, temos um ato de fala. 

Certos atos de fala vão além do simples dizer, já que podem também realizar algo. Quando um juiz, por exemplo, diz Eu condeno o réu a dez anos de reclusão, ele não está apenas dizendo que condena, está de fato condenando. O mesmo ocorre quando, na abertura de uma reunião, a pessoa encarregada de conduzir os trabalhos diz Declaro aberta a sessão. Ao proferir essa frase, a sessão está aberta. O dizer se transforma num fazer.

Do ponto de vista linguístico, as unidades linguísticas dos atos de fala são as frases. Chamamos de frase toda sequência linguística capaz de estabelecer comunicação. A frase se manifesta tanto na língua falada quanto na língua escrita. Na escrita, o início da frase é indicado pela letra inicial maiúscula e o final por algum ponto ou pelas reticências.

Na fala, a frase é marcada pela entoação, que indica se o conteúdo da frase é uma declaração, uma pergunta, uma ordem etc. A entoação decorre da modulação da voz, ou seja, por movimentos de ascendência, estabilização e descendência do tom da voz. Na língua escrita, usam alguns sinais gráficos (sinais de pontuação) para indicar a entoação. A entoação é também portadora de sentido. Um simples “bom dia”, dependendo da forma como é entoado e combinado com a expressão facial e gestual, pode demonstrar sentimentos bem distintos, como cordialidade, alegria, afeto, raiva, desprezo etc.

Na língua falada, é comum que atos de fala, em vez de serem expressos por frases, sejam manifestados por uma interjeição. Suponha a seguinte situação. Numa sala de cinema, você está se sentindo incomodado porque o casal da fileira da frente não para de conversar. Seu propósito comunicativo é adverti-lo para que pare de falar. Você poderia dizer:

– Vocês poderiam parar de conversar, por favor.

Nesse caso, você se valeu de uma frase para atingir seu propósito comunicativo. No entanto, naquele contexto, seria mais eficaz economizar palavras e dizer simplesmente:

– Psiu.

O propósito comunicativo é o mesmo, mas, naquela situação, dizer simplesmente psiu parece ser mais adequado. A interjeição funcionou como uma frase.

Na língua falada, sobretudo na conversação face a face, as frases costumam se apresentar fragmentadas, já que os falantes “economizam” referências, deixando-as incompletas. Isso, no entanto, não causa problema algum em termos comunicacionais, já que os termos omitidos são facilmente recuperados pelo contexto.

Voltemos à situação do cinema em que o casal da frente não parava de conversar, o que fez com que você se dirigisse a ele para pedir silêncio. Antes de entrar na sala, você teve de adquirir o ingresso. Vamos supor que você fez isso presencialmente na bilheteria e não antecipadamente pela internet. O diálogo para a aquisição das entradas deve ter sido algo como:

Na língua falada, estamos sempre fazendo uso de frases de situação, aquelas cujo sentido está muito dependente do contexto situacional, de que são exemplos as frases do diálogo que apresentamos para a compra de ingressos. As frases de situação são normalmente elípticas e, fora do contexto, têm seu sentido esvaziado.

– Duas.
– Meia ou inteira?
– Meia.
– Débito ou crédito?
– Débito.

Na escrita, no entanto, nos valemos de outro tipo de frase, já que, na maioria das vezes, não se tem o contexto situacional. Como os interlocutores não estão presentes na situação comunicativa, não há como sanar possíveis ruídos na comunicação, esclarecendo, por exemplo, algo que não foi entendido. Em decorrência disso, as frases da língua escrita apresentam uma organização mais rígida do ponto de vista gramatical. Feitas essas considerações, propomos uma definição de frase.

Frase é todo enunciado linguístico oral ou escrito com sentido completo, capaz de estabelecer comunicação, de acordo com a situação em que se acham os interlocutores.

Observe os exemplos a seguir:

  1. Pênalti!
  2. Silêncio!
  3. Abaixo a censura.
  4. Cada macaco no seu galho.
  5. Muito obrigado pela sua presença e pela escuta atenta e amigável.
  6. O silêncio das sereias é perigoso.
  7. A gratidão não é somente a maior das virtudes, é também mãe de todas as outras. (Cícero)
  8. A adulação nunca brota das grandes almas, é apanágio das pequenas, que conseguem apequenar-se ainda mais para caber na esfera social da pessoa em torno da qual gravitam. (Balzac)

Temos frases em todos esses exemplos, mas você deve ter notado que há diferenças entre eles:

  1. As frases têm extensão variável. Há frases curtas, às vezes de uma única palavra, como nos exemplos a e b e frases que têm um certa extensão, como a frase h.
  2. Há frases que não apresentam verbo, como nos exemplos a, b e c.
  3. Há frases em que não há verbo explícito, mas subentendido como em d [Cada macaco (deve ficar) no seu galho] e e [Fico (ou me sinto) muito obrigado pela sua presença e pela escuta atenta e amigável].
  4. Há frases que se organizam em torno de um único verbo, como no exemplo f.
  5. Há frases que se organizam em torno de mais de um verbo, como as dos exemplos g e h.

Veja que, do ponto de vista estritamente gramatical, não conseguimos definir frase, por exemplo, frase é o enunciado que apresenta verbo, ou frase é um enunciado que tem sujeito e predicado. Isso porque frase é uma unidade do discurso, que se manifesta em textos, podendo haver textos formado de uma única frase.

Quando adotamos um ponto de vista gramatical, falamos em período, que assim definimos.

Período é frase que apresenta verbo.

Nem toda a frase, portanto, é um período; mas a recíproca é verdadeira: todo período é uma frase. Compare agora as frases f e g:

O silêncio das sereias é perigoso.
A gratidão não é somente a maior das virtudes, é também mãe de todas as outras.

Ambas constituem períodos, porque apresentam verbo. Há uma diferença entre eles: o primeiro apresenta um único verbo; o segundo, dois. O primeiro é chamado de período simples; o segundo, de composto.

Nas aulas de língua portuguesa, é frequente se usar a palavra oração. O que é uma oração? Vamos lá.

Oração é a frase ou um pedaço de frase que se organiza em torno de um verbo ao qual se subordinam outros termos (sujeito, complementos, adjuntos etc.).

Volte aos exemplos acima. Em  O silêncio das sereias é perigoso, temos uma única oração, porque há uma só forma verbal. Em A gratidão não é somente a maior das virtudes, é também mãe de todas as outras, temos duas orações, porque há duas formas verbais.

Uma oração pode ou não ter sentido completo, ou seja, há orações que constituem frases e outras não. Nesse caso, são apenas pedaços de frase.

Veja, a seguir, um resumo.

O que caracteriza a oração é a presença de uma forma verbal. A frase é todo enunciado linguístico de sentido completo capaz de estabelecer comunicação. O período é a frase que apresenta forma verbal. Portanto:

  • nem toda frase é uma oração (há frases sem verbo);
  • nem toda oração é uma frase (há orações sem sentido completo, são pedaços de frase);
  • há frases formadas por uma ou mais orações (período simples ou período composto);
  • todo período é uma frase porque tem sentido completo.

Como nossa preocupação deve estar sempre voltada para o sentido que as construções linguísticas produzem, é relevante apenas que você saiba o conceito de frase e que ela pode ou não se constituir em torno de uma forma verbal. 

Por fim, para que um conjunto de palavras seja considerado frase, não é obrigatório que o conteúdo informacional veiculado seja verdadeiro. Lembre-se de que as pessoas usam frases para dizer mentiras. Assim, enunciados como A baleia é um peixe e A Terra é plana são frases, embora veiculem informações falsas. 

Tipos de frase

As frases costumam ser classificadas com base no propósito comunicativo em:

  • declarativas: são utilizadas para afirmar ou negar algo de forma objetiva. O enunciador dá como certo o que declara.
Um homem de caráter tem vergonha até diante de seu cão. (Tchekhov)
Não conto gozar a minha vida: nem gozá-lo penso. (Fernando Pessoa)
  • interrogativas: o enunciador desconhece algo e pergunta ao interlocutor sobre isso. Ao empregá-la, espera obter por parte do interlocutor uma resposta.

Com as frases interrogativas, pode-se perguntar sobre tudo:

Seres animados: Quem foi aprovado?
Coisas ou acontecimentos: Que contém essa caixa? Que aconteceu com você? Lugares: Onde você mora?
Tempo: Quando você volta?
Causa: Por que você desistiu?
Finalidade: Para que você comprou isso?

As frases interrogativas que terminam em ponto de interrogação são chamadas de interrogativas diretas. As interrogativas indiretas terminam em ponto e a pergunta propriamente dita é dependente de outra oração, por exemplo, Perguntei quando ela voltaria e Não sei por que você me abandonou.

  • imperativas: são utilizadas para exprimir ordem, conselho ou solicitação. A frase imperativa implica sempre a existência de um interlocutor. Nesse tipo de frase normalmente o sujeito não vem expresso e a forma verbal, se houver, não exprime tempo.
Devolva os livros à biblioteca.
Não deixe de fazer os exercícios.
  • exclamativas: são utilizadas para exprimir espanto, admiração, surpresa.
Que maravilha!
Não acredito no que aconteceu!
  • optativas: são utilizadas para exprimir desejo.
Deus te proteja!
Bons ventos o levem!

Ficamos por aqui nesses conceitos inicias. No próximo post, retomo o assunto tratando especificamente de frase e sentido.

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