Jaqueta branca

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Quando se fala em Melville, imediatamente nos vem à cabeça o monumental Moby Dick e a novela Bartleby, o escrevente. Mas Melville, escreveu outras obras. Neste post, comento uma das obras menos conhecidas de Melville, Jaqueta branca: o mundo em um navio de guerra. Minha edição é a publicada pela Editora Carambaia em 2017. Jaqueta branca não é um livro fácil, principalmente para aqueles que têm o hábito de encaixar tudo o que leem numa gavetinha chamada gênero, porque esse livro, até então inédito no Brasil, não é um romance, nem uma reportagem, nem uma autobiografia, nem um relato de viagens. É um híbrido de tudo isso.

Melville escreveu o livro em dois meses porque precisava de dinheiro e, no prefácio, adverte o leitor de que “o objetivo desta obra é dar uma ideia da vida no interior de um navio de guerra”. Evidentemente, a genialidade do autor de Moby Dick ultrapassa em muito esse objetivo.

A edição da Carambaia, limitada a 1000 exemplares numerados, é muito bem cuidada, desde o projeto gráfico com impressão em azul, e apresenta ainda um glossário de termos náuticos e um mapa do percurso da fragata Neversink. O narrador, cujo nome não sabemos, identifica-se metonimicamente pelo nome de Jaqueta Branca. Essa expressão, extremamente simbólica, de pronto serve para distinguir o narrador dos demais componentes da tripulação de 500 pessoas, na medida em que ele é o único no navio a ter a jaqueta daquela cor.

Em muitos trechos, o narrador abandona o foco narrativo em 1a. pessoa e passa a narrar em 3a. (Jaqueta Branca), num jogo de aproximação e afastamento da matéria narrada. Para nós, leitores de língua portuguesa, o livro ainda traz algumas boas surpresas. A primeira é que a fragata aporta no Rio de Janeiro e temos um relato de como o marinheiro estrangeiro vê a capital imperial. Mais: nessa parada no Rio, sobe a bordo da fragata o imperador Pedro II e seu séquito. A segunda surpresa é que, entre os marujos, há um admirador de Camões, que conhece Os lusíadas de cor e vive recitando trechos da obra, que o autor transcreve no livro.

O livro não é um simples relato de viagem como afirmei. Se a jaqueta branca é um símbolo, o próprio navio também o é. O título da obra dá a pista para o leitor, pois nele temos a expressão “o mundo em um navio de guerra”. Está aí a pista: a fragata Neversink é uma metáfora do mundo. O navio, com seus 500 tripulantes divididos em classes, sujeitos a uma lei arbitrária, a castigos físicos, a relações conflituosas, é um microcosmo. Melville faz uma obra de denúncia das condições impostas aos marinheiros dos EUA. Se em terra, esse país consegue avanços democráticos, no mar o que impera é uma autocracia que se impõe pelo terror e pela violência.

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