Linguagem e significado

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Nomear as coisas é possuí-las. 

(Provérbio árabe)

Num post anterior, comentei sobre a noção de palavra. Retomo o assunto, mas sob outro ângulo: o do significado. Falar em palavra é colocar em tema a significação. É dela que falo hoje.

Em Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, o narrador relata que uma peste atacou o povoado de Macondo causando insônia e perda da memória de seus habitantes. Para defender a população do esquecimento, a personagem José Arcádio Buendia põe em prática um método que aprendera com seu filho Aureliano. A seguir, apresento o trecho do romance que relata esse fato.

Foi Aureliano quem concebeu a fórmula que havia de defendê-los, durante vários meses, das evasões da memória. Descobriu-a por acaso. Insone experimentado, por ter sido um dos primeiros, tinha aprendido com perfeição a arte da ourivesaria. Um dia, estava procurando a velha bigorna que utilizava para laminar os metais, e não se lembrou do seu nome. Seu pai lhe disse: “tás”. Aureliano escreveu o nome num papel e pregou com cola na base da bigorninha: tás. Assim, ficou certo de não esquecê-lo no futuro. Não lhe ocorreu que fosse aquela a primeira manifestação do esquecimento, porque o objeto tinha um nome difícil de lembrar. Mas poucos dias depois, descobriu que tinha dificuldade de se lembrar de quase todas as coisas do laboratório. Então, marcou-as com o nome respectivo, de modo que bastava ler a inscrição para identificá-las. Quando seu pai lhe comunicou o seu pavor por ter-se esquecido até dos fatos mais impressionantes da sua infância, Aureliano lhe explicou o seu método, e José Arcadio Buendía o pôs em prática para toda a casa e mais tarde o impôs a todo o povoado. Com um pincel cheio de tinta, marcou cada coisa com seu nome: mesacadeirarelógioportaparedecamapanela. Foi ao curral e marcou os animais e as plantas: vacacabritoporcogalinhaaipimtaiobabananeira.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. 41ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995, p. 50.

Esse trecho de Cem anos de solidão permite refletir sobre como se dá a relação entre os nomes e as coisas e também sobre a questão do significado. Os nomes nos remetem às coisas e nossa relação com o mundo se dá por meio das palavras. Quando José Arcadio marca as coisas com nomes, ele não apenas afasta o problema da perda de memória; com isso, passa, por meio de palavras, a construir significados e, ao construí-los, dá existência às coisas. AlbertoManguel, em A cidade das palavras, afirma que “a linguagem não se limita a nomear, ela também confere existência à realidade”.

O linguista Émile Benveniste assinala que, tanto para o falante comum quanto para o linguista, a função da linguagem é dizer alguma coisa. E, quando pensamos o que vem a ser essa coisa e, se é possível delimitá-la, está colocado o problema da significação.

É preciso, no entanto, observar que o significado não é estático, mas dinâmico e decorre das necessidades dos indivíduos; não é algo ideal, mas material e flexível. Por isso, não se deve entender o significado como algo pronto, acabado; mas como um processo. Novos significados surgem porque as línguas não estão prontas; pelo contrário, elas se fazem continuamente. Para Bakhtin, “Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal […]”.

A questão da significação não deve ser buscada, pois, na estrutura da língua, mas na relação dessa com seus usuários, já que as mudanças linguísticas decorrem do uso que os falantes fazem da língua.

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