Nós que apagamos a lua

Tempo de leitura: 4 minutos

Recebi pelo correio o livro Nós que apagamos a lua: 21 histórias para guardar, de Alana Freitas El Fahl, Editora Zarte, que li numa sentada.

Alana é de Feira de Santana e professora de Literatura Portuguesa e Brasileira na Universidade Estadual de Feira de Santana, onde se graduou em Letras Vernáculas. É doutora em Teorias e Críticas da Literatura e da Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sua tese de doutoramento é sobre os contos de Eça de Queirós, que resultou no livro Uma leitura dos Contos de Eça de Queirós, publicado pela Editora da Universidade Estadual de Feira de Santana. Alana mantém ainda o blog Entretelas, em que posta textos muito bons sobre novelas de tevê. Clique no link para acessar o blog.

Alana, como todo bom narrador, é também excelente ouvinte de histórias que transforma em narrativas ricas e saborosas. Histórias são mesmo feitas para serem contadas e repassadas e Alana não perde um fragmento de cotidiano para conferir a ele valor estético. Sim, crônica é isso mesmo: um gênero híbrido em que notícia e literatura convivem. Uma notícia de jornal de repente vira alta literatura. Bandeira está aí com seu Poema tirado de uma notícia de jornal para nos mostrar que a literatura, não está apenas no mundo dos deuses, dos heróis, dos personagens bíblicos. Está também nas pequenas coisas do cotidiano, nos loucos que perambulam pelas ruas, nos velhinhos do shopping, nos motoristas de praça à moda antiga ou à moda dos aplicativos . De repente, na crônica de Alana vemos esses dois mundos aparentemente distantes, se fundirem, fazendo aparecer numa das crônicas o bom Jacó, já casado com Raquel, indo almoçar na casa do sogro Labão.

As relações intertextuais são explicítas nas crônicas de Alana, a começar pelo fato de todas elas se abrirem por uma epígrafe. As referências marcadas a outros textos e discursos permitem ao leitor unir o passado com o presente, para entendê-lo melhor. (Curiosamente, foi esse o tema da redação da Fuvest, no vestibular deste ano, realizado ontem). Se Jacó reaparece em pleno século XXI, o poeta latino Horácio também frequenta o livro de Alana. Muito a propósito, porque, como é próprio do gênero crônica, vemos a valorização da mediocridade, não no sentido que a palavra assumiu hoje, mas a aurea mediocritas.

Em suas crônicas, Alana percorre os mais variados temas, desde os mais leves aos mais graves, que trata com a devida leveza. Fazer crônica é isso mesmo, estar aberto para todos os temas. Drummond, que cultivou com maestria o gênero, afirma que o assunto da crônica “pode ser um pé de chinelo, uma pétala de flor, duas conchinhas da praia, o salto de um gafanhoto, uma caricatura, o rebolado da corista, o assobio do rapaz da lavanderia. Pode ser tanta coisa!”.[1]

O livro de Alana não poderia começar melhor, pois o texto que o abre fala do próprio gênero. Um livro de crônicas em que a autora começa por tematizar o próprio gênero. O título também não podia ser mais sugestivo: Conceito crônico. Partindo de um dos usos do adjetivo crônico, aquele que usamos com referência a doenças, Alana nos dá uma aula sobre o gênero, criando uma narradora que pode se chamar de cronista-professora ou professora-cronista. E sabemos que a crônica é um gênero adequado ao espaço escolar. Por ser também professora, Alana sabe isso como ninguém. Seus textos tanto podem ser lidos no espaço privado, no silêncio do quarto, antes de dormir, em que o leitor e o a cronista de mantêm um diálogo íntimo e exclusivo, mediado pelo texto, quanto no espaço público da sala de aula, onde podem ser matéria de troca de opiniões.

Se o texto de abertura já consegue fisgar o leitor, despertando-lhe o interesse, Alana não deixa a peteca cair, para usar uma expressão da variedade popular com a qual ela gosta de temperar seus textos, aproximando-os ainda mais dos leitores; pois, com os textos que seguem, Alana mantém o interesse do leitor, que fica sempre querendo ler a crônica seguinte. Ao final do livro, fica evidentemente, aquele gostinho de quero mais.

Que venham logo outras crônicas de Alana Freitas El Fahal. Seus leitores, assim como os telespectadores das novelas de tevê, aguardam os próximos capítulos.


[1] ANDRADE, Carlos Drummond de. Boca do luar. Rio de Janeiro: Record, 2009.

2 Comentários


  1. Obrigada, caro Ernani Terra, recebo sua resenha generosa como um grande presente de ano novo!
    Abraços comungante!

    Alana Freitas El Fahl
    Feira de Santana BA

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  2. Tenho muito orgulho da minha prima mesmo eu não tendo quase nenhum contato com ela pois ela mora em Feira de Santana e eu moro em Jaboticabal interior de São Paulo

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