Pespontos

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Pespontos, o novo livro de Alana Freitas El Fahal, acaba ser lançado pela Editora Mondrongo. Li, com enorme satisfação, os 25 minicontos que integram o livro, antes mesmo que fossem publicados numa bela edição, porque Alana me concedeu a honra de escrever a apresentação do livro, que reproduzo abaixo.

ENTRE MINICONTOS E PESPONTOS: NOVAS COSTURAS DA TRADIÇÃO

O conto é um gênero narrativo presente em todas as culturas e cuja origem se perde no tempo. Manifesta-se nos mais vários tipos, conto de fadas, conto policial, conto maravilhoso, conto policial, conto de terror, miniconto, etc. e trata dos mais diversos temas, atendendo a leitores de todas as idades. Do conto oral narrado ao redor de uma fogueira ao moderno miniconto, esse gênero foi apresentando modificações, mantendo, porém, seu propósito comunicativo, contar, sem se alongar muito, uma história; por isso o conto, em suas diversas modalidades, abre mão do supérfluo. No miniconto, isso é levado ao extremo, o que lhe confere um caráter minimalista.

Se, no conto tradicional, a história decorre de uma sucessão de eventos que convergem para um desfecho, no miniconto, dada sua natureza ultraeconômica, a história narrada está implícita numa situação apresentada. Compete ao leitor, a partir do instantâneo que lhe é apresentado, inferir os acontecimentos narrados; por isso, nesse gênero, o envolvimento do leitor para a construção do sentido se dá sempre em altíssimo grau, daí a leitura desse tipo de conto ser sempre desafiadora.

Nos seus Pespontos, a autora apresenta 25 narrativas brevíssimas que envolvem situações as mais diversas, todas elas dialogando com textos de diferentes gêneros, épocas, autores e temáticas. Alana Freitas, em seus minicontos percorre séculos de literatura, indo da Odisseia às produções literárias mais modernas.

Homero, Drummond, Bandeira, Clarice, Fernando Pessoa, Graciliano Ramos, Dante, Cervantes, Gregório de Matos, Eça de Queirós e Machado de Assis são, ao serem transportados para os tempos atuais, ressignificados.

Sinha Vitória pode agora comprar pelo crediário uma cama na Magalu; Dante consegue sair da selva escura em que se viu perdido com o auxílio dessa bússola da modernidade, o GPS. Hera, vasculhando o celular de Zeus, descobre que o filho de Cronos possui perfis falsos. Tudo isso apresentado com refinado senso de humor e ironia finíssima que levam o leitor a reflexões de natureza ética, conforme o lema Ridendo castigat mores, que, em bom português, significa algo como “pelo riso corrigem-se os costumes”.

Os minicontos da Alana não dialogam somente com o que se costuma chamar de alta literatura. As relações intertextuais se dão também com gêneros de outras esferas discursivas, como cartuns, canções populares, séries e novelas de tevê, que também são ressignificados. Assim, a volta do amado para sua casa em Jacanã não se dá mais pelo trem das onze, que já não existe nos dias de hoje, mas pelo Uber; o conflito entre Wile Coyote e Acme agora é resolvido por meio do site Reclame Aqui. O Maluco Beleza, do Raulzito, recorre à Fluoxetina, Clonazepam e de camomila para controlar sua maluquez.

Em outro miniconto, a intertextualidade se manifesta por meio da paródia de um conhecido samba de Paulo Vanzolini. Se a composição de Vanzolini é focada no homem, que, abandonado pela mulher, dá a volta cima, no miniconto é a mulher quem assume o protagonismo. Esse miniconto dialoga com outro do livro, também paródia de um samba. Se na composição popular, Amélia é coisificada (“aquilo sim é que era mulher”), no miniconto ela é empoderada. O homem é quem fica em casa cuidando das crianças e Amélia moderna vai à rua tomar chopp com as amigas.

O miniconto, como se assinalou, tem por característica marcante a concisão. Nesta apresentação, estou indo na contramão das convenções do gênero miniconto, na medida em que ela está se arrastando, tornando-se prolixa; por isso é bom parar por aqui para não ficar dando spoiler e para não retardar ainda mais o prazer do leitor de ir aos minicontos

Tenho certeza de que a leitura dos Minicontos da Alana proporcionará momentos de reflexão, sabedoria e prazer.

Boa leitura!

PS: os minicontos de Pespontos são também excelente material para um trabalho de leitura em sala de aula. São histórias brevíssimas, narradas com muito humor e que permitem ampliar o repertório de leitura e conhecimentos dos estudantes. Trata-se de livro altamente recomendável.

2 Comentários


  1. Excelente apresentação da obra, professor Ernani. Suas colocações me deixaram ansiosa não só para ler os mini contos, como também para adotar para meus alunos.

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