Poema e poesia

Tempo de leitura: 5 minutos

Em post recente, comentei as diferenças entre os gêneros romance, conto e novela (clique aqui para ler o artigo). Neste, trato exclusivamente de outro gênero da esfera literária, o poema, e aproveito para fazer a distinção entre poesia e poema.  

Se partirmos do pressuposto de que não há sinônimos perfeitos, deve haver então uma diferença entre poesia e poema. Embora hoje em dia se usem essas palavras como sinônimas perfeitas (Li um poema de Castro Alves / Li uma poesia de Castro Alves), há, sim, uma diferença entre elas.

Poesia provém do grego (poíēsis, eōs: criação, fabricação, confecção). Na palavra poesia está, pois, contida a ideia de se criar algo a partir do nada. A palavra poema também provém do grego (poíēma, atos: obra, criação do espírito, invenção). A distinção é sutil: poesia refere-se ao fazer, ao criar; poema, ao resultado, à coisa feita, à obra pronta. Portanto, o que lemos são poemas (a obra) e, em nossa leitura, percebemos (ou não) a poesia. Era comum antigamente os professores pedirem aos alunos que decorassem um poema e depois o recitassem para a classe; o fato é que a maioria dos alunos sabia o poema de cor, mas não percebia necessariamente a poesia contida nele.

Em linhas gerais, dizemos que um poema é uma construção literária em versos, que podem ser regulares ou não, apresentar rima ou não. Versos regulares são versos que apresentam o mesmo número de sílabas poéticas. Os mais comuns são os que apresentam cinco, sete, dez ou doze sílabas, chamados, respectivamente, de pentassílabos (ou redondilha menor), heptassílabos (ou redondilha maior), decassílabos e dodecassílabos (ou alexandrinos). Quanto à rima, trata-se da identidade de sons em geral no final dos versos.

Os poemas podem apresentar formas fixas ou não. O soneto é exemplo de poema que tem forma fixa, já que só é soneto a construção poética que apresenta quatorze versos, distribuídos em dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos). Observe, no entanto, que o soneto não é um poema, mas uma forma usada comumente no discurso literário, o que equivale a dizer que podemos ter um texto não literário escrito em forma de soneto.

Se um poema não precisa ter necessariamente rimas nem apresentar regularidade nos versos, o que determina que um texto seja considerado poema? Antes de mais nada, para um texto ser considerado literário, levam-se em conta fatores de legitimação institucional. Assim, nem todo poema é considerado obra literária. Contudo, podemos adiantar que a característica básica dos textos poéticos é o ritmo.

A palavra ritmo provém do grego (rhuthmós: medida, cadência). A noção de ritmo na poesia está ligada à noção de tempo. Trata-se de uma repetição periódica de sons no tempo. Em português, o ritmo é obtido por meio da sucessão de sílabas no tempo (ritmo silábico). Como se sabe, em português, o acento é intensivo, isto é, as sílabas são pronunciadas com maior ou menor intensidade, daí se classificarem em sílabas átonas (pouca intensidade) ou tônicas (muita intensidade). O ritmo resulta da repetição de sílabas tônicas em intervalos de tempo. Embora possamos ter ritmo em textos em prosa, ele não é essencial, ao contrário da poesia. Chamo a atenção para o fato de que o ritmo não deve ser confundido com a métrica, uma vez que mesmo versos livres, aqueles que não têm o mesmo número de sílabas poéticas, apresentam ritmo.

Nas línguas em que o acento é durativo, como o latim, cujas sílabas são breves ou longas (sendo que a longa tem a duração de duas breves), o ritmo era marcado pela disposição de sílabas breves e longas na cadeia sintagmática em unidades denominadas pés (o nome é devido ao fato de que o ritmo era marcado com batidas do pé). Em português, como afirmei, o acento não é durativo, mas intensivo (átonas e tônicas). Observe na estrofe a seguir, extraída do poema José, de Carlos Drummond de Andrade, como se configura o ritmo.

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse... 
Mas você não morre, 
você é duro, José! 

Em primeiro lugar, nessa estrofe, temos versos de cinco sílabas (redondilha menor), exceto o último, que tem sete sílabas (redondilha maior). A contagem das sílabas métricas é feita até a última sílaba tônica, desprezando-se as átonas que a sucedem. Veja a seguir:

se vo cê gri tas se 
se vo cê ge mes se
se vo cê to cas se 
a val sa vi e nen se
se vo cê dor mis se
e vo cê can sas se 
se vo cê mor res se 
Mas vo cê não mor re 
vo cêdu ro Jo sé 

Observe a regularidade na distribuição de sílabas tônicas nos versos (estão destacadas em negrito). Nos versos de cinco sílabas, os acentos estão na terceira e quinta sílabas, exceto no verso “a valsa vienense”. Mas o ritmo não decorre apenas da disposição de átonas e tônicas. A repetição dos mesmos sons (representados pela letra s e pelo dígrafo ss) – configurando uma aliteração e a repetição das mesmas palavras no início dos versos (anáfora) – confere à estrofe o ritmo de uma valsa, só quebrado no último verso.


Acompanhe também meus artigos publicados na meer, revista internacional online em seis idiomas. O acesso é gratuito pelo link abaixo.

https://www.meer.com/pt/authors/1263-ernani-terra

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.