Um texto não é um amontoado de frases

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A pergunta que se pretende responder neste artigo é: O que faz com que um conjunto de palavras seja considerado texto? Antes de prosseguir, quero deixar claro que tratarei apenas dos textos verbais.

Embora um texto verbal seja formado por palavras que se organizam em frases, seu sentido está além das frases que o constituem. Isso porque os elementos que compõem o texto guardam relações de sentido entre si, ou seja, as ligações entre as partes do texto, embora sejam sintáticas, revelam ligações semânticas. Uma palavra, por exemplo, pode estar retomando outra que já apareceu e, para atribuir sentido a ela, é preciso que se estabeleça o link entre as duas. Uma frase liga-se a outra para exprimir relações de sentido como causa, tempo, condição, etc. Num texto, por economia, o autor omite palavras, mas o leitor poderá recuperá-las facilmente por meio de informações já fornecidas. Enfim, embora para efeitos didáticos, seja costume desmontar o texto para explicá-lo, nunca se pode perder de vista o todo.

Se um texto é algo que vai além da soma de frases que o constituem, o que faz com que uma soma de frases forme uma texto?

A resposta que alguns linguistas deram a essa questão é que há fatores que fazem com que um conjunto de frases constitua um texto. Para esses linguistas, os fatores de textualidade são sete: aceitabilidade, intencionalidade, situcionalidade, informatividade, intertextualidade, coesão e coerência. Esses fatores dizem respeito a atitudes dos parceiros da comunicação e ao modo como eles organizam e interpretam o discurso, vale dizer, não são fatores de ordem exclusivamente linguística; são também de ordem discursiva e pragmática. Em outros artigos do blogue, já tratei da coesão, da coerência e da intertextualidade. Neste, examinarei a aceitabilidade, a intencionalidade, a situcionalidade e a informatividade.

Intencionalidade

O que caracteriza o discurso é seu caráter dialógico. O texto é objeto de comunicação entre sujeitos.  Aquele que toma a palavra sempre se dirige a um tu/você, explícito ou presumido, o leitor ou ouvinte. Ao produzir um texto, o enunciador o faz com determinado objetivo e, para isso, tem um plano. Para usar uma expressão do mundo dos negócios, visa atingir metas. Uma delas é que seu texto seja aceito pelo enunciatário.

A intencionalidade diz respeito ao enunciador, aquele que produz o texto. Quem toma a palavra para dizer algo, oralmente ou por escrito, é movido por um propósito, ou seja, por uma determinada intenção e deve organizar seu texto para atingir esse propósito.

As intenções que nos levam a produzir textos são diversas: informar, convencer, divertir, advertir, agradecer, pedir, vender, felicitar, reclamar, etc. Como os textos se caracterizam pelo dialogismo, quem produz o texto espera sempre uma resposta daquele a quem o texto se destina. Se se produz um texto pedindo algo (um requerimento, por exemplo), espera-se como resposta que o pedido seja atendido. Se se produz um texto com a intenção de convencer alguém, espera que o destinatário do texto aceite os argumentos, se convença e altere seu comportamento, mudando de opinião ou adquirindo algo. Ao se contar uma piada, espera-se que o ouvinte ache graça nela; caso se use um texto para transmitir uma ordem, espera-se que ela seja cumprida.

Seja qual for o objetivo que move o produtor de um texto, ele espera que seu texto seja aceito. Em outras palavras: pelo texto, visa-se conseguir a adesão do leitor ou do ouvinte. Para isso, o autor coloca como meta produzir um texto que seja coerente, compreensível e que atenda às expectativas do leitor ou do ouvinte. Para isso, escolhe os recursos linguísticos adequados ao propósito comunicativo (convencer, informar, advertir,etc.).

Aceitabilidade

A aceitabilidade é o outro lado da intencionalidade. Se esta diz respeito ao produtor do texto, aquela se refere ao leitor ou ao ouvinte. Intencionalidade e aceitabilidade são duas faces de uma mesma moeda, a qual podemos dar o nome de cooperação.

A aceitabilidade diz respeito à expectativa do destinatário, o leitor ou o ouvinte, que espera um texto relevante, útil e coerente. Isso obriga o autor a se valer de estratégias que atendam à expectativa do destinatário, não só com relação à escolha do tema, como ainda ao grau de aprofundamento (o texto é para um especialista, ou para um público geral?) e aos recursos linguísticos a serem utilizados. A seleção vocabular deve levar em conta se as palavras usadas são conhecidas pelo destinatário. A escolha do registro, mais formal ou mais informal, deverá também ser considerada por aquele que produz o texto. Se esses procedimentos não forem observados, corre-se o riso de o destinatário não aceitar o texto e o propósito comunicativo não ser alcançado.

Diariamente somos bombardeados pelos mais diversos textos, que nos chegam por variados suportes. Só pelas redes sociais recebemos tantos textos que, mesmo que nos dedicássemos todo o tempo a lê-los, não conseguíamos dar conta, portanto desprezamos um número enorme de textos e lemos apenas alguns, ou seja, o fator aceitabilidade é um dos critérios que adotamos para ler um determinado texto e desprezar outros. Isso significa que a escolha do que vamos ler é pautada por critérios como relevância, atualidade e interesse. Mas não só os aspectos temáticos fazem com que aceitemos um texto e rejeitemos outros. Há ainda fatores linguísticos: a escolha recai em textos cuja linguagem compreendemos, ou seja, a aceitabilidade está relacionada à inteligibilidade. Quando alguém começa a ler um texto e não consegue compreendê-lo, a atitude mais comum é não aceitar o texto, abandonando a leitura logo nas primeiras linhas.

Para ilustrar essa nossa afirmação, pensemos em um jornal impresso de grande circulação. Ele é formado de vários cadernos, cada um deles com características e linguagens específicas. Cremos que praticamente não existam, nos dias de hoje, pessoas que leem um jornal inteiro. Aceitam-se alguns textos e rejeitam-se outros. Há leitores que a primeira coisa que leem são as notícias do mundo do esporte; outros, a previsão do tempo; outros, o horóscopo (tem ainda gente que não sai de casa sem ler o horóscopo); o homem de negócios vai direto ao caderno de economia, mas passa longe do horóscopo e dos anúncios classificados. Há quem tenha o hábito de ler os anúncios funerários. No caso dos jornais em formato digital, a aceitabilidade de alguns textos (e a consequente rejeição de outros) costuma até ser mais rápida. Em síntese: ao produzir um texto, sempre se deve levar em conta as expectativas daquele a quem  o texto se dirige, obedecendo ao princípio da aceitabilidade, um dos fatores que fazem com que uma sequência de enunciados seja aceita por alguém como um texto.

Informatividade

A intencionalidade diz respeito ao autor, aquele que fala. A aceitabilidade está relacionada àquele a quem se fala, o destinatário (tu/você). A informatividade é relativa àquele ou àquilo de quem ou de que se fala.

Os textos se caracterizam por veicular um determinado conteúdo informacional, aquilo que se diz. A informatividade diz respeito à previsibilidade dos textos. Quanto mais informações novas ele trouxer, menos previsível ele será. Ao contrário, um texto que trouxer apenas informações conhecidas será altamente previsível.

Um texto não pode se constituir apenas informações novas. Caso isso ocorra, ele será improcessável. Tente ler um texto de Física quântica. Se você não possui conhecimentos da área, não conseguirá processá-lo. Por outro lado, um texto que só apresente informações conhecidas terá grau de informatividade zero, caracterizando-se como redundante, pois diz o que o leitor / ouvinte já está cansado de saber, ou, para usar uma expressão popular, o texto acaba dizendo o mais do mesmo.

Um bom texto deve equilibrar informação nova com informações conhecidas, pois essas funcionam como âncora para o leitor/ouvinte processar a informação nova. Informações conhecidas constituem o conhecimento enciclopédico e a extensão desse conhecimento, que está armazenado na memória de longo prazo, é variável de pessoa para pessoa. Em razão disso, um texto pode se apresentar como altamente informativo para uma pessoa e, para outra, ser de baixíssima informatividade. Por essa razão, quem produz textos deve adequar o grau de informatividade em função do destinatário.  

Situcionalidade

A relação comunicativa entre enunciador de enunciatário se dá em uma determinada situação, ou seja, é contextualizada e, portanto, vai refletir os valores e crenças do contexto em que ocorre. O enunciador, ao tomar a palavra, instala a categoria de pessoa (eu/tu), que serve de eixo para as categorias de tempo e de lugar, portanto, quem diz, diz algo a alguém em um certo momento e em certo lugar, vale dizer, a partir do enunciado, é possível reestabelecer a enunciação, pois esta é pressuposta por aquele.

Quando falamos em situcionalidade, fazemos referência à adequação do texto à situação comunicativa, ao contexto, isto é, se o texto é pertinente em função de fatores como o lugar, o momento e os participantes da situação comunicativa, ou seja, quem diz, para quem diz, quando diz, onde diz, por que diz, para que diz.

Um texto pertinente numa determinada situação pode ser muito impertinente em outra. Uma piada contada num encontro entre amigos comemorando o fim de ano é adequada ao contexto comunicativo. A mesma piada contada num velório se mostraria totalmente inadequada.

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